sexta-feira, 14 de janeiro de 2011



Segue uma anedota famosa concernente ao mestre rinzai Ikkyu, que viveu, aproximadamente, há 03 ou 04 séculos.

Ikkyu era, então, um monge muito jovem que vivia num templo zen, onde vivia também seu irmão. Um belo dia, esse último deixou cair no chão uma tigela da cerimônia do chá, que se quebrou; a tigela era ainda ais preciosa porque fora presente do imperador. O chefe do templo admoestou-o severamente, fazendo chorar o mongezinho.

Ikkyu, todavia, recomendou-lhe que não se preocupasse:

- Tenho sabedoria. Posso encontrar uma solução.

Juntou os pedaços da cerâmica, colocou-os na manga do seu kolomo e foi descansar no jardim do templo, enquanto esperava, pachorrento, o regresso do mestre. Tanto que o avistou, foi ao seu encontro e propôs-lhe um mondo:

- Mestre, os homens nascidos neste mundo morrem ou não morrem?

- Morrem, decerto - respondeu o mestre. - O próprio Buda morreu.

- Compreendo - volveu Ikkyu - , mas no que respeita às outras existências, os minerais ou objetos também estão destinados a morrer?

- É claro! - reponde o mestre - Todas as coisas que têm forma devem morrer necessariamente, quando surge o momento.

- Compreendo - disse Ikkyu. - Em suma, como tudo é perecível, não deveríamos precisar chorar nem lastimar o que já não existe, nem sequer zangar-nos com o destino.

- Está visto que não! Aonde queres chegar? - inquiriu o mestre.

Ikkyu tirou da manga do kolomo os destroços da tigela, que apresentou ao mestre. Este ficou boquiaberto.



(conto retirado de Contos Zen)



Não há duvidas que uma das maiores frases de todos os tempos foi aquela proferida por Sócrates: “Tudo o que sei é que nada sei”.

Em uma única tacada, o filósofo grego passou várias mensagens. A primeira é que a vida, na maior parte do tempo, é incerta. A segunda é que o conhecimento aumenta em larga escala, e quanto mais aprendemos mais percebemos o quanto falta aprender. E a terceira é um enorme exemplo de humildade, pois ele era o homem mais sábio de sua época.

Ele construiu a metáfora de que o conhecimento forma uma espécie de halo luminoso em torno da cabeça da pessoa. Quanto mais aprendemos mais este halo cresce, o que é bom, mas, por outro lado, mais aumenta sua superfície de contato com a escuridão, que simboliza a ignorância. Então, quanto mais aprendemos mais percebemos o quanto há, ainda, para se aprender. É uma bela imagem simbólica, que me faz pensar naqueles que acham que já sabem tudo. Você conhece alguém assim, dono das verdades e das certezas? O mundo anda cheio deles. Nos dois sentidos.

Voltando a Sócrates, vale a pena lembrar que ele viveu no século cinco antes de cristo. Imagine o que ele diria hoje, em plena sociedade do conhecimento, da informação, da velocidade e da transformação. Pena que Sócrates não conheceu as universidades, as bibliotecas e a Internet. Ponho-me a imaginar como seria seu blog. Provavelmente cheio de perguntas, pois ele odiava as respostas e sempre respondia uma pergunta com outra, criando uma espiral crescente de construção do conhecimento.

Digamos que você lhe perguntasse, através de e-mail: “Sábio Sócrates, o que fazer para conviver com essa sensação de insegurança neste mundo tão cheio de incertezas?” Ele provavelmente responderia algo como: “Meu jovem, você devia perguntar ao velho Heráclito. Por que você acha que ele disse que não dá para tomar banho no mesmo rio duas vezes? E não me chame de sábio, pois só sei que nada sei”. E daria um send certo de que tinha te oferecido elementos para reflexão. Não deu a resposta, mas sinalizou o caminho para encontrá-la, o que é muito melhor.

Heráclito, que morreu um ano antes de Sócrates nascer, é considerado um filosofo obscuro, enigmático. Dele sabemos que desprezava a política e a religião, e acabou por isolar-se da sociedade para viver como um eremita. Antes, porém, ele nos legou sua mais famosa frase: “Tudo flui”, disse ele, e arrematou: “Não é possível banhar-se duas vezes no mesmo rio”. Faz sentido. Se você toma banho em um rio hoje, amanhã notará que aquela água já passou, agora é outra. E você também mudou, é outra pessoa. Dizem que essa frase representava a angustia do filósofo diante da velocidade das mudanças. Imagine o que ele diria hoje…

O princípio da incerteza

Sim, vivemos em um mundo paradoxal. Se, por um lado, pertencemos a uma sociedade que usufrui dos confortos da ciência e da tecnologia, por outro nos sentimos desconfortáveis com a sensação de impermanência. Tudo muda e com velocidade crescente, já sabemos disso. E não temos o que fazer a não ser acompanhar as mudanças e nos adaptarmos a elas. OK, até aqui, tudo bem. Já nos acostumamos às guinadas da economia, da política, dos modelos de negócio e das tecnologias emergentes. Mas há algo neste admirável mundo novo que incomoda um pouco: a incerteza e a sensação de insegurança que ela causa.

Nosso instinto pede segurança. É a segunda necessidade, só antecedida pelas necessidades fisiológicas. Depois nos preocuparemos com outras necessidades, como as emocionais e as intelectuais. Queremos nos manter vivos, por isso a opção pelo lugar seguro, sem surpresas. Sim, mas o que não podemos fazer é fingir que vivemos na época de nossos avós, quando as notícias vinham pelo Repórter Esso, ligações interurbanas só podiam ser feitas da companhia telefônica e andava-se de bonde pela Avenida Paulista. Era um tempo sem sobressaltos, mas que para qualquer um de nós que conhecemos o século XXI seria de uma monotonia mortal.

Hoje vivemos o mundo das possibilidades. Acelerado, inconstante, estressante, sim, mas continua sendo o mundo das possibilidades, basta que estejamos atentos. Em cada mudança há um lado favorável, só que nosso instinto de preservação vê, em primeiro lugar, o perigo. Portanto, muita calma nessa hora. É preciso colocar a bola no chão e avaliar os melhores lances.

O que não dá é para ter tudo sob controle. No começo do século passado o cientista alemão Werner Heisenberg enunciou seu Principio da incerteza, um conceito da física quântica que diz que “É impossível conhecer-se a velocidade e a posição de uma partícula atômica ao mesmo tempo”. Ele tinha que optar pela informação que lhe parecia mais relevante naquele momento, e mesmo assim ele ajudou a construir a física quântica.

Assim é a vida como ela é. Incerta. E será cada vez mais. O que nos resta é encontrar os meios de sobrevivência, e estes são fornecidos pelo encontro de competências pesadas com espírito leve. Como assim? Ora, temos que nos preparar cada vez mais, investindo em novos conhecimentos, habilidades crescentes e atitudes adequadas, tudo isso embrulhado no fino papel da tranqüilidade.

Resistência e flexibilidade

Sobre esse assunto, minha estagiária Celeste, que tem uma sabedoria emergente porque é uma jovem perspicaz que não se contenta com o superficial, me contou uma história de sua vida de estudante quando estava no ensino médio. No laboratório de biologia, os alunos fizeram a seguinte experiência: colocaram um osso de galinha no vinagre e outro no fogo. A conseqüência foi que o osso colocado no vinagre perdeu cálcio, e com isso ficou mole, incapaz de se sustentar. O que foi levado ao fogo perdeu colágeno, e se quebrou com facilidade. Os jovens então perceberam que o osso é feito para ser flexível e resistente ao mesmo tempo, por isso nos dá proteção e movimento. Assim temos que ser, para suportar o calor das exigências crescentes e a corrosão das mudanças freqüentes.

Talvez em outro e-mail, Sócrates nos dissesse: “Conhece-te a ti mesmo, meu filho”, mas como um filósofo agora pós-moderno, é provável que ele acrescentasse: “E aproveita para fazer um SWOT pessoal, analisando as ameaças e a oportunidades deste momento, e também tuas forças e fraquezas. Controla as ameaças, aproveita as oportunidades, corrige tuas fraquezas e aumenta ainda mais teus pontos fortes, pois é a partir deles que você vai se diferenciar”. E, dito isso, provavelmente ele voltasse a fazer o que o tornou singular: ser o grande crítico de sua época, sem revolta, mas com sabedoria e atitude.

FONTE: Revista Nextel nº31, 01/05/2009, por Eugênio Mussak ; Um mundo impermanente

http://www.sapiensapiens.com.br/um-mundo-impermanente/

 

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