quinta-feira, 7 de abril de 2011

Nietzsche e a Arte



Por Christiane Forcinito

O primeiro livro em que Nietzsche escreve se refere a arte. Em "O nascimento da tragédia" ele explora a noção da dualidade de dois princípios artísticos: O "apolíneo" e o "dionisíaco". O fio condutor do tema é a música e ele tem como objetivo encontrar uma resolução sobre o surgimento e o desaparecimento da tragédia grega.

A arte para Nietzsche é algo inerente a vida, isto é, partindo do pressuposto por ele analisado sobre a noção central de vontade de poder , a arte significa o que é vida é. E ele tem um compromisso tanto com a arte como com a vida e a vontade como força motriz como demonstra no primeiro parágrafo da obra aqui citada:

" Teremos ganhado muito a favor da ciência estética se chegarmos não apenas à intelecção lógica, mas à certeza imediata da introvisão de que o contínuo desenvolvimento da arte está ligado à duplicidade do "apolíneo" e do "dionisíaco", da mesma maneira como a procriação depende da dualidade dos sexos, em que a luta é incessante e onde intervém periódicas reconciliações. Tomamos estas denominações dos gregos, que tornaram perceptíveis à mente perspicaz os profundos ensinamentos secretos de sua visão da arte, não, a bem dizer, por meio de conceitos, mas nas figuras de clareza penetrante de seu mundo dos deuses."

Como aqui se trata de um blog e não uma defesa acadêmica irei expor um em muitas breves linhas a idéia de Nietzsche e a arte não só para a simples compreensão do leitor aqui, mas para um resgistro meu a fim de que os textos aqui escritos contribuam para minha futura tese.

Nietzsche começa falando do drama musical grego, onde há a oposição do dionisíaco ao apolíneo. Viver o dionisíaco é experimentar o lado mais dramático da existência, ou seja, deixar-se viver pela exarcebação dos sentidos. O deus Dionísio é o deus do vinho e da festa. O dionisíaco é o lado apolíneo com o pulsar cósmico da vida. Nela não há fronteiras e limites para a vida. É o instinto, a inspiração e a ação.

Segundo o filósofo, os deuses gregos eram necessários para os gregos, pois eles legitimava existência humana mostrando a vida sob uma ótica gloriosa. E com isso a arte grega cumpriria bem o seu papel ( como a arte deve ser segundo o autor) pois, transmitia ao receptor da arte a experiência estética do artista criador.

O apolíneo e o dionisíaco faz parte da estética ativa nietzscheneana pois são observados como par fundamental de impulsos artísticos da natureza, o qual geram estados fisiológicos vitais, estados de sensibilidade tanto no artista quanto no que contempla a obra.

Uma questão que deve ser analisada é o fato do dionísíaco ser encarada apenas como o "lado bacanal" da vida e o apolíneo como o correto, certo, equilibrado. É aí que cometem-se erros na interpretação da filosofia da arte em Nietzsche, pois ambos andam de mãos dadas entre si como forças cósmicas que fazem parte da nossa vida e do nosso ser.

Ambas forças se referem a própria vida, isto é, aos ciclos da vida, como nascer, crescer, se subsistir, reproduzir e morrer. Para fazê-los sentir o que Nietzsche quis dizer eis uma citação de Goethe que se enquadra bem no que quis explicar até aqui:

"Nas ondas da vida, na tempestade das ações, subo e desço, teço aqui e ali, nascimento e morte, um mar eterno, uma vida de mudança! Assim crio no estrepitoso mar do tempo"

Em suma, a principal questão da arte em Nietzsche  conduz ao impulso (potência) que chama a arte à vida. A arte em Nietzsche nada mais é do que um ode à vida e as forças que nos conduz, que mais tarde pode ser analisada juntamente com a vontade de potência.

terça-feira, 8 de março de 2011


Por Arnaldo Vasconcelos

"O texto de Nietzsche intitulado “Sobre a verdade e mentira no sentido extramoral” inicialmente guarda em si uma crítica contundente à verdade e ao conhecimento, que vale ser salientado em nossas perspectivas epistemológicas; e que é interessante ter contato em qualquer altura de nossos estudos para refletirmos um pouco a respeito do que é o conhecimento.

A crítica que o texto supracitado guarda é de suma importância e é um tanto desconsertante, quando mergulhados estamos, pois, na rotineira tentativa de estabelecer a verdade, e não tão rotineira, porém já comum pergunta em saber o que é de fato a verdade.

Os termos “verdade” e “conhecimento” são usados numa consonância semântica tênue (não há uma divisão clara a respeito) e o leitor precisa estar um pouco dissolvido da obsessão de tentar separá-las definitivamente. Isso pode soar um pouco esquisito a um analítico; mas se fizermos de tal forma poderemos notar o tom da crítica ácida e da revelação extraordinária que Nietzsche nos dá em seu texto: uma revelação acerca do engano que o conhecimento encerra sobre si.

Uma pequena anedota é contada no início, para que o leitor se mantenha alinhado à visão de que o conhecimento perante a história universal poderá ser pequena e uma invenção, acima de tudo.

A invenção do conhecimento, que já é uma expressão forte, é tomada como algo efêmero, mas cheio de “soberba”, cheio-de-si. E ao mesmo tempo enganadora. E é enganadora, mentirosa, pois seu lugar de um “rápido minuto” é posta como um centro universal; transmutando a pequenez do intelecto humano como se fosse o centro da razão do universo existir.

A seguir Nietzsche informa que até mesmo uma mosca, inundada com um pouco deste intelecto sobrevoaria o mundo, envolvida num pathos ou seja, influenciada por se achar o centro do mundo. A razão, a verdade, o conhecimento, portanto, engana o homem, como se este fosse um detentor de algo, que não possui e que foi criado por ele mesmo.

É um pathos na medida em que é uma afetação do comportamento humano perante à grandiosidade da natureza. E é uma afetação que tornou-se, para o homem necessária, para que ele esqueça justamente a posição ínfima e efêmera que pode ter no universo natural, como um todo. É um instinto de sobrevivência, que Nietzsche coloca muito pontualmente.

Está então explicado o porque o intelecto faz este homem esquecer de sua origem, de sua pequenez: a infelicidade é mascarada, assim por uma invenção humana. É uma invenção mentirosa pois.

Assim o conhecimento o põe como centro de um universo, para que este sobreviva, no ínfimo minuto em que a invenção se põe em funcionamento. Assim o efeito geral deste conhecimento, e do intelecto, é portanto enganar. (p. 53-54).

O engano é portanto um mecanismo no qual o indivíduo humano, fraco, é capaz de conservar-se vivo, feliz. É um instinto tão intenso que, o próprio Nietzsche afirma que o que seria em animais a luta com chifres pela conservação no homem está presente sob o mascaramento, o mentir, a dissimulação (p. 53) e a verdade e o conhecimento não fogem deste instinto de dissimulação.

Em seguida, Nietzsche argumenta, e esta é uma das chaves de sua argumentação, que o homem não tem um impulso à verdade por honestidade, mas sim por conservação. Pergunta-se ele, então, como pode o homem ter um impulso honesto, efetivo, para a verdade?

O homem para Nietzsche está imerso na mentira, na ilusão, que o conhecimento encerra, para que sobreviva à imensidão da natureza que o circunda: assim, então como poderemos chegar a alguma verdade, mesmo não tendo acesso profundo das coisas? Ou ainda pior: não podemos encontrar na verdade nenhum impulso advindo da honestidade. É um impulso enganatório.

A consciência é, portanto, um invólucro que impede que trivialidades da natureza atinjam-nos a alma: é uma enganação, também, com um cunho moral (com aquele mesmo impulso de sobrevivência)

Assim o impulso à verdade é um instinto de sobrevivência, e também uma ilusão, pois nos coloca como um “centro” do mundo, sem que suspeitemos de sua enganação. Não é, portanto, um impulso dirigido a alguma suposta honestidade. (p. 54).

Necessitamos sobreviver, tanto sós e em conjunto (em rebanho, para Nietzsche) e assim esse impulso é para a sobrevivência. Seja em tratados de paz ou outros, como pressuposto de atingirmos uma verdade. Sugiro aqui sérias críticas de Nietzsche à Kant e seu ideário moral. Assim a verdade como instinto de sobrevivência tem um elo com a moralidade, também criada para a sobrevivência de seres fracos que somos.

A seguir Nietzsche faz uma reflexão sobre a linguagem, pois esta possui o poder de “legislar” sobre a verdade (p. 54).

A linguagem seria, então, para ele um fixador do que é a verdade e o que pode ser a mentira: e isto nasce na medida em que se busca sobreviver socialmente.

Argumenta que o homem não desgosta da ilusão, mas sim dos efeitos nefastos que a ilusão pode ocasionar, se ela chegar a ocasionar ao mesmo. E assim deseja as conseqüências agradáveis que a verdade poderia proporcionar (p. 55).

Desta forma ele se pergunta “É a linguagem a expressão adequada para todas as realidades?”. E este seu questionamento está alinhado com a noção de que a realidade que tomamos é uma mera perda de metáforas sem a noção da genealogia que a cerca.

Além destes questionamentos, Nietzsche afirma o seguinte: que o homem esquece da verdade tautológica (que é vazia, portanto) e parte para manipulações fantasiadas do mundo que lhe causam uma sensação de que há um conhecimento, uma verdade. O que faz com que este homem “compre eternamente ilusões por verdades” (p. 55).

A partir deste ponto Nietzsche questiona acerca da linguagem esmiuçando por exemplo o que seria a palavra, como uma corruptela tautológica de termos criados por nós e que julgamos serem estojos de conhecimento. Diz que a cobra por exemplo (no alemão) vem de enrolar-se, e o termo é usado como se fosse uma descoberta a conexão entre uma e outra coisa: quando na verdade uma estará contida tautologicamente na outra.

O exemplo dado da palavra vem justamente para ilustrar o quão enganador é o esquecimento das categorias que nós mesmos criamos. E ainda a multiplicidade de línguas é usada por Nietzsche como argumento para endossar o quanto é arbitrária as nossas delimitações. E delimitações tais que são postas na linguagem.

Em seguida argumenta que a “coisa-em-si” é incaptável para a linguagem e nem importa para tal (isso se a coisa-em-si for uma verdade pura).

Demonstra a seguir o quanto se perde em representações desta coisa-em-si e o quanto esquecemos disto. A coisa é representada por um estímulo cerebral, que é representada por um som em seguida sucessivamente. Assim as representações se perdem. E o homem não nota-se desta perda, mas sim se alimenta desta perda, se enganando. E essa enganação gera uma sensação de verdade, de conhecimento. Assim acreditamos que sabemos das coisas, segundo Nietzsche. (p.55).

Portanto sem a gênese da linguagem e no esquecimento das perdas de sucessivas metáforas, nos distanciamos do que poderia ser realmente uma coisa-em-si.

Assim, é uma invenção, inclusive do filósofo que se põe a falar “telescopicamente” sobre o mundo, e sobre o que julga ser verdade.

Portanto, Nietzsche faz uma importante argumentação em que a generalização, a conceituação, as bases do conhecimento, além de serem uma sequência de perdas entre a coisa real e as nossas metáforas, também é uma generalização baseada na vivência, que despreza as desigualdades individuais entre objetos individuais, tornando-os iguais num conceito. Desta feita, a conceituação parte-se de um movimento de abandono arbitrário das características que individualizam objetos.

Da mesma forma a “honestidade” é encarada por ele como um conceito criado por base neste “abandono arbitrário de desigualdades particulares”, só que relacionada a atos e comportamentos, em prol de deixar ações que são individuais entre si a participar de um conceito, que é uma qualidade criada arbitrariamente, uma “qualitas occulta” (p.56) nas palavras do próprio Nietzsche. A “honestidade” é uma qualidade arbitrária e a moral é um senso enganador criado para a sobrevivência mentirosa de certos animais: humanos.

Portanto esse “impulso à verdade” é uma enganação, e a sensação de se atingir à verdade se dá no esquecimento que estamos a nos enganar quanto a isto tudo. O homem, portanto, forja verdades, e se sente, por meio do esquecimento, como se fosse um “grande habilidoso descobridor” (p. 58). As verdades são forjadas e nos esquecemos como estamos a mentir, isto é para Nietzsche um importante leitmotiv de seu escrito “Sobre verdade e mentira no sentido extramoral”.

Quanto a isso (ao esquecimento e ao forjar descobertas com base em categorias criadas arbitrariamente) as palavras de Nietzsche são claras:

“Como gênio construtivo o homem se eleva, nessa medida, muito acima da abelha: esta constrói com cera, que recolhe da natureza, ele com a matéria muito mais tênue dos conceitos, que antes tem de fabricar a partir de si mesmo. Ele é, aqui, muito admirável – só que não por seu impulso à verdade, ao conhecimento puro das coisas. (…) Se forjo a definição de animal mamífero e em seguida declaro, depois de inspecionar um camelo: ‘Vejam, um animal mamífero’, com isso decerto uma verdade é trazida à luz, mas ela é de valor limitado, quero dizer, é cabalmente antropomórfica e não contém um único ponto que seja ‘verdadeiro em si’, efetivo universalmente válido, sem levar em conta o homem. O pesquisador dessas verdades procura, no fundo, apenas a metamorfose do mundo em homem, luta por um entendimento do mundo como uma coisa à semelhança do homem e conquista, no melhor dos casos, o sentimento de uma assimilação.” (p. 58).

Portanto o homem cria verdades baseadas em si mesmo, são verdades, segundo já explicitado, criadas pelo abandono arbitrário das desigualdades e busca o entendimento do mundo com esse conceitual, com essas ferramentas: uma busca antropomórfica de entender o mundo como a si. Como se fosse o homem detentor dos “gonzos girantes” do universo (p.53). E a sensação, o sentimento de conquista intelectual, de entendimento, acontece com o esquecimento de que forjamos conceitos com base em abandonos arbitrários em prol de uma antropomorfização do universo.

E todo esse movimento que resulta num enganar-se a si mesmo, de centrar-se no universo e de pôr-se como criatura cujo intelecto perscruta todo universo, dá lugar a uma felicidade. Portanto a capacidade de se enganar encerra em si uma felicidade (p. 59).

Nietzsche argumenta que seja racional ou intuitivo, o homem almeja um domínio sobre a vida: e ao fazer isto o homem é feliz. O conhecimento e a verdade apenas torna o homem feliz por se centralizar num universo tão vasto; cuja felicidade, como já explicitado, dá-se pelo auto-engano e por um posterior esquecimento da invenção da verdade e do conhecimento que foi, inclusive, manutenida por uma mentira velada e constantemente esquecida. (p. 60).

E Nietzsche termina dizendo que na infelicidade de se dar conta do engano, é que o homem passa se dar conta de sua pequenez e da insignificância da invenção mentirosa, segundo o mesmo, que o homem perfilou em construir para a sua felicidade e esquecimento. E é agora que pode por-se no lugar natural em que a mentira pôde ser revelada. Mentira tal que a “soberba” invenção tentou pôr em esquecimento.

E é exatamente por estas razões que Nietzsche inicia seu artigo dizendo que há de soberbo e mentiroso na verdade e no conhecimento, inventado como uma mentira voluptuosa e velada, que esquecida, nos deu a sensação de centralidade num universo, sem se dar conta da fugacidade de nossa existência e de como seria tão irrelevante todo este movimento se este ínfimo momento de conhecimento acabasse por completo (perante a toda a natureza).

É, pois, uma denúncia grave ao conhecimento e à verdade: de que são artimanhas enganadoras; o que contradiz o que pensamos constantemente acerca do que a verdade e o conhecimento pode representar.

Mesmo alguém que não esteja de acordo com a argumentação de Nietzsche, é interessante ler o artigo, pois desperta uma dúvida a respeito da obsessão pela verdade e nos deixa mais atentos ao dogma que assumimos a respeito do saber e do conhecer. Não é uma crítica que causa um questionamento trivial: é uma crítica que derruba e destrói a confiança, e consequentemente, a nossa posição confortável de seres pensantes sobre o universo; nos mostra o quanto podemos conformar nossa visão do universo em relação ao nosso antropomorfismo.

É perturbador para o leitor, na melhor dos significados da palavra. E esta perturbação não é ruim. Assim torna-se claro o título que soa um tanto enigmático no início. Torna-se claro do porquê da verdade e mentira posta num sentido extramoral."

COMPARTILHANDO SOMENTE... EXCELENTE ANÁLISE!

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011



Segue uma anedota famosa concernente ao mestre rinzai Ikkyu, que viveu, aproximadamente, há 03 ou 04 séculos.

Ikkyu era, então, um monge muito jovem que vivia num templo zen, onde vivia também seu irmão. Um belo dia, esse último deixou cair no chão uma tigela da cerimônia do chá, que se quebrou; a tigela era ainda ais preciosa porque fora presente do imperador. O chefe do templo admoestou-o severamente, fazendo chorar o mongezinho.

Ikkyu, todavia, recomendou-lhe que não se preocupasse:

- Tenho sabedoria. Posso encontrar uma solução.

Juntou os pedaços da cerâmica, colocou-os na manga do seu kolomo e foi descansar no jardim do templo, enquanto esperava, pachorrento, o regresso do mestre. Tanto que o avistou, foi ao seu encontro e propôs-lhe um mondo:

- Mestre, os homens nascidos neste mundo morrem ou não morrem?

- Morrem, decerto - respondeu o mestre. - O próprio Buda morreu.

- Compreendo - volveu Ikkyu - , mas no que respeita às outras existências, os minerais ou objetos também estão destinados a morrer?

- É claro! - reponde o mestre - Todas as coisas que têm forma devem morrer necessariamente, quando surge o momento.

- Compreendo - disse Ikkyu. - Em suma, como tudo é perecível, não deveríamos precisar chorar nem lastimar o que já não existe, nem sequer zangar-nos com o destino.

- Está visto que não! Aonde queres chegar? - inquiriu o mestre.

Ikkyu tirou da manga do kolomo os destroços da tigela, que apresentou ao mestre. Este ficou boquiaberto.



(conto retirado de Contos Zen)



Não há duvidas que uma das maiores frases de todos os tempos foi aquela proferida por Sócrates: “Tudo o que sei é que nada sei”.

Em uma única tacada, o filósofo grego passou várias mensagens. A primeira é que a vida, na maior parte do tempo, é incerta. A segunda é que o conhecimento aumenta em larga escala, e quanto mais aprendemos mais percebemos o quanto falta aprender. E a terceira é um enorme exemplo de humildade, pois ele era o homem mais sábio de sua época.

Ele construiu a metáfora de que o conhecimento forma uma espécie de halo luminoso em torno da cabeça da pessoa. Quanto mais aprendemos mais este halo cresce, o que é bom, mas, por outro lado, mais aumenta sua superfície de contato com a escuridão, que simboliza a ignorância. Então, quanto mais aprendemos mais percebemos o quanto há, ainda, para se aprender. É uma bela imagem simbólica, que me faz pensar naqueles que acham que já sabem tudo. Você conhece alguém assim, dono das verdades e das certezas? O mundo anda cheio deles. Nos dois sentidos.

Voltando a Sócrates, vale a pena lembrar que ele viveu no século cinco antes de cristo. Imagine o que ele diria hoje, em plena sociedade do conhecimento, da informação, da velocidade e da transformação. Pena que Sócrates não conheceu as universidades, as bibliotecas e a Internet. Ponho-me a imaginar como seria seu blog. Provavelmente cheio de perguntas, pois ele odiava as respostas e sempre respondia uma pergunta com outra, criando uma espiral crescente de construção do conhecimento.

Digamos que você lhe perguntasse, através de e-mail: “Sábio Sócrates, o que fazer para conviver com essa sensação de insegurança neste mundo tão cheio de incertezas?” Ele provavelmente responderia algo como: “Meu jovem, você devia perguntar ao velho Heráclito. Por que você acha que ele disse que não dá para tomar banho no mesmo rio duas vezes? E não me chame de sábio, pois só sei que nada sei”. E daria um send certo de que tinha te oferecido elementos para reflexão. Não deu a resposta, mas sinalizou o caminho para encontrá-la, o que é muito melhor.

Heráclito, que morreu um ano antes de Sócrates nascer, é considerado um filosofo obscuro, enigmático. Dele sabemos que desprezava a política e a religião, e acabou por isolar-se da sociedade para viver como um eremita. Antes, porém, ele nos legou sua mais famosa frase: “Tudo flui”, disse ele, e arrematou: “Não é possível banhar-se duas vezes no mesmo rio”. Faz sentido. Se você toma banho em um rio hoje, amanhã notará que aquela água já passou, agora é outra. E você também mudou, é outra pessoa. Dizem que essa frase representava a angustia do filósofo diante da velocidade das mudanças. Imagine o que ele diria hoje…

O princípio da incerteza

Sim, vivemos em um mundo paradoxal. Se, por um lado, pertencemos a uma sociedade que usufrui dos confortos da ciência e da tecnologia, por outro nos sentimos desconfortáveis com a sensação de impermanência. Tudo muda e com velocidade crescente, já sabemos disso. E não temos o que fazer a não ser acompanhar as mudanças e nos adaptarmos a elas. OK, até aqui, tudo bem. Já nos acostumamos às guinadas da economia, da política, dos modelos de negócio e das tecnologias emergentes. Mas há algo neste admirável mundo novo que incomoda um pouco: a incerteza e a sensação de insegurança que ela causa.

Nosso instinto pede segurança. É a segunda necessidade, só antecedida pelas necessidades fisiológicas. Depois nos preocuparemos com outras necessidades, como as emocionais e as intelectuais. Queremos nos manter vivos, por isso a opção pelo lugar seguro, sem surpresas. Sim, mas o que não podemos fazer é fingir que vivemos na época de nossos avós, quando as notícias vinham pelo Repórter Esso, ligações interurbanas só podiam ser feitas da companhia telefônica e andava-se de bonde pela Avenida Paulista. Era um tempo sem sobressaltos, mas que para qualquer um de nós que conhecemos o século XXI seria de uma monotonia mortal.

Hoje vivemos o mundo das possibilidades. Acelerado, inconstante, estressante, sim, mas continua sendo o mundo das possibilidades, basta que estejamos atentos. Em cada mudança há um lado favorável, só que nosso instinto de preservação vê, em primeiro lugar, o perigo. Portanto, muita calma nessa hora. É preciso colocar a bola no chão e avaliar os melhores lances.

O que não dá é para ter tudo sob controle. No começo do século passado o cientista alemão Werner Heisenberg enunciou seu Principio da incerteza, um conceito da física quântica que diz que “É impossível conhecer-se a velocidade e a posição de uma partícula atômica ao mesmo tempo”. Ele tinha que optar pela informação que lhe parecia mais relevante naquele momento, e mesmo assim ele ajudou a construir a física quântica.

Assim é a vida como ela é. Incerta. E será cada vez mais. O que nos resta é encontrar os meios de sobrevivência, e estes são fornecidos pelo encontro de competências pesadas com espírito leve. Como assim? Ora, temos que nos preparar cada vez mais, investindo em novos conhecimentos, habilidades crescentes e atitudes adequadas, tudo isso embrulhado no fino papel da tranqüilidade.

Resistência e flexibilidade

Sobre esse assunto, minha estagiária Celeste, que tem uma sabedoria emergente porque é uma jovem perspicaz que não se contenta com o superficial, me contou uma história de sua vida de estudante quando estava no ensino médio. No laboratório de biologia, os alunos fizeram a seguinte experiência: colocaram um osso de galinha no vinagre e outro no fogo. A conseqüência foi que o osso colocado no vinagre perdeu cálcio, e com isso ficou mole, incapaz de se sustentar. O que foi levado ao fogo perdeu colágeno, e se quebrou com facilidade. Os jovens então perceberam que o osso é feito para ser flexível e resistente ao mesmo tempo, por isso nos dá proteção e movimento. Assim temos que ser, para suportar o calor das exigências crescentes e a corrosão das mudanças freqüentes.

Talvez em outro e-mail, Sócrates nos dissesse: “Conhece-te a ti mesmo, meu filho”, mas como um filósofo agora pós-moderno, é provável que ele acrescentasse: “E aproveita para fazer um SWOT pessoal, analisando as ameaças e a oportunidades deste momento, e também tuas forças e fraquezas. Controla as ameaças, aproveita as oportunidades, corrige tuas fraquezas e aumenta ainda mais teus pontos fortes, pois é a partir deles que você vai se diferenciar”. E, dito isso, provavelmente ele voltasse a fazer o que o tornou singular: ser o grande crítico de sua época, sem revolta, mas com sabedoria e atitude.

FONTE: Revista Nextel nº31, 01/05/2009, por Eugênio Mussak ; Um mundo impermanente

http://www.sapiensapiens.com.br/um-mundo-impermanente/

terça-feira, 28 de setembro de 2010



Por David Camilo

O presente estudo tem como objetivo analisar as formas do conceito razão no âmbito do pensamento de Arthur Schopenhauer (1788-1860).Tendo em vista que o conceito de razão no pensamento de Schopenhauer consiste, em primeira estância, em dois aspectos, quais sejam, o teórico (epistemológico) e o prático. Contudo, a partir de uma leitura aprofundada do tema, salta-se aos olhos um possível terceiro aspecto desse conceito de razão. A originalidade desta pesquisa consiste justamente na análise desta terceira forma de razão que tem como cerne a dimensão ascética inserida na ética schopenhaueriana.

A primeira forma de razão – a razão teórica – está em vista de uma finalidade: o conhecimento. Já a segunda forma – a razão prática – visa proporcionar ao homem uma sabedoria de vida. Num terceiro momento, alguns conceitos, como o de Vontade, negação da vontade, ascetismo e o de mística, remetem-nos a um terceiro nível dessa razão. Tal razão é o que poderíamos designar como razão mística. A peculiaridade desta ultima é, acima de tudo, a ausência de finalidade, o que faz com que ela se diferencie das demais.

Desse modo, quando se toma o conceito razão na filosofia de Schopenhauer, evidencia-se a importância de aprofundar na interpretação de seu conjunto filosófico a fim de perceber sua completude.

O objetivo principal desta pesquisa é analisar a abordagem e o papel da razão no pensamento de Schopenhauer, sobretudo, seu caráter mutável, ao passo que ela muda de aspecto e de natureza de acordo com o desenvolvimento das obras do filósofo. A partir disso, quais são as figuras e o percurso de tal razão?

Sendo assim, propõe-se como objetivos específicos: a) analisar como o primeiro sentido do termo razão em Schopenhauer passa a ser determinante na elaboração da parte epistemológica de sua filosofia; b)Verificar o procedimento e a alteração do emprego do termo razão a partir do primeiro livro de O Mundo como Vontade e como Representação e dos Aforismos para a sabedoria de vida, a fim de melhor vislumbrar como se dá essa mudança; c) e analisar o terceiro sentido do termo razão schopenhaueriana que se volta para a negação da Vontade e que culmina no ascetismo.

Os materiais utilizados foram as obras de Arthur Schopenhauer. Sobretudo, considerou-se importante o aprofundamento na leitura e nos fichamentos da obra O Mundo como Vontade e como Representação (2005 – tradução da Editora Unesp – São Paulo). Dado que o livropossui quatro partes reconheceu-se a importância e a necessidade de saber do que trata cada uma das partes em suas especificidades, sobretudo, o que concerne ao conceito razão.

Quanto as leituras, além da principal obra do filósofo, O Mundo como Vontade e como Representação, valeu-se da leitura e fichamento da obra de 1851, qual seja, os Aforismos para a sabedoria de vida.

O método utilizado para esta pesquisa constitui em fazer a distinção entre as duas primeiras formas de razão para, em seguida, melhor compreender o que propomos no terceiro objetivo deste estudo, qual seja, a análise da possibilidade de uma outra forma de razão nopensamento de Schopenhauer que não fora apontada diretamente pelo filósofo, contrariamenteao caso das duas anteriores, e pode ser tomada como uma razão ético-mística, esta se diferencia das outras por não visar um fim, podendo assim, ser designada também, e por isso mesmo, de desinteressada.

A maior dificuldade, em um primeiro momento, foi a de fazer uma distinção mais precisa das particularidades entre os conceitos que permeiam a razão schopenhaueriana.

Da mesma forma que fora afirmado no Relatório Parcial, as observações feitas pelo professor a partir dos encontros, foram fundamentais para esclarecimentos e a melhor compreensão do tema, além das correções e indicações de leitura. Após a elaboração dos textos eram feitas as leituras junto ao professor orientador que orientava onde se devia melhorar e, a partir daí, seguiam-se as correções em vista de uma leitura mais aprofundada.

Os resultados alcançados correspondem às leituras e fichamentos levados a termo durante o desenvolvimento da pesquisa. Como fora mencionado no Relatório Parcial, parte-se da exposição e análise das duas figuras de razão apontadas no pensamento schopenhaueriano -razão epistemológica e razão prática- para, em seguida, apontar uma terceira figura de razão, qual seja, o que poderíamos designar como razão mística,isto é, a razão propriamente ética na filosofia de Schopenhauer. A partir dessas análises, torna-se possível a verificação e o entendimento de como, na ética desinteressada de Schopenhauer, a razão não mais opera como um mero mecanismo em vista de uma finalidade, daí o seu caráter propriamente desinteressado.

4.1. Do entendimento aos conceitos

Arthur Schopenhauer referindo-se ao mundo diz: "Pois assim como este é, de um lado, inteiramente REPRESENTAÇÃO, é, de outro, inteiramente VONTADE" (SCHOPENHAUER, 2005, p. 45, grifos do tradutor).Com o presente fragmento, extraído do primeiro capítulo da obra O mundo como Vontade e como Representação, o autor menciona as duas principais divisões de toda sua filosofia, a saber, a do mundo como mera Representação e a do mundo como mera Vontade. É em torno do conceitoRepresentação, que Schopenhauer desenvolverá toda sua construção filosófica.

4.1.1. o universo do entedimento

Detendo-se no aspecto designado como entendimento, considerado por Schopenhauer como um fim para o conhecimento, toma-se então o primeiro livro deO Mundo como Vontade e como Representação, no qual o filósofo faz uma exposição detalhada acerca dos itinerários - as vias - que devem ser traçados para se chegar a um conhecimento. É sua epistemologia. A obra de 1818 é aberta por Schopenhauer com a afirmação: "O mundo é minha representação. Esta é uma verdade que vale em relação a cada ser que vive e conhece, embora apenas ohomem possa trazê-la à consciência refletida e abstrata" (SCHOPENHAUER,2005,p.43).

O elemento norteador para Arthur Schopenhauer, ou seja, seu ponto de partida, é o de que não há verdade alguma mais certa e mais independente a não ser a de que todo o mundo existe para o conhecimento, sendo este o motivo que determina sua existência; e é tão somente objeto em ralação ao sujeito, ou seja, representação. Quando, pois, o homem conscientiza-se dessa realidade, "torna-se claro e certo que não conhece sol e terra alguma, mas sempre um olho que vê um sol, uma mão que toca a terra" (SCHOPENHAUER,2005,p.43). Desse modo, tudo o que tem sua existência no mundo está condicionado pelo sujeito e, desta forma, existe apenas para este. É este o "lado do mundo" do qual parte Schopenhauer. Veja-se nas palavras do próprio autor:

Verdade alguma é, portanto, mais certa, mais independente de todas as outras e menos necessitada de uma prova do que esta: o que existe para o conhecimento, portanto o mundo inteiro, é tão somente objeto em relação ao sujeito, intuição de quem intui, numa palavra representação. (SCHOPENHAUER, 2005, p.43).

Situando-se nessa condição, pode-se admitir duas metades do mundo como representação: a do objeto e a do sujeito. Essas partes são consideradas inseparáveis, uma vez que cada uma delas existe com a outra e também pode desaparecer com ela. A primeira dessas metades - a do objeto - tem como forma o espaço, o tempo, e a causalidade. A segunda, no entanto - a do sujeito – não se encontra em nenhuma dessas formas; ela se faz inteiramente presente em cada serque representa.

Mediante estas primeiras considerações verifica-se que a razão analisada como sendo teórica tem um fim evidente e específico: o conhecimento. Schopenhauer, para expor seu processo de elaboração desse conhecimento – representação – parte do pressuposto de que há um princípio de razão suficiente[1]. Contudo, antes de se ater a tal princípio, é necessário compreender que, para a aplicabilidade do mesmo, deve haver um mundo que é o objeto do conhecimento e um sujeito constituído de corpo (sentidos) e de intelecto, no qual está o que se diz Entendimento[2].

Contudo, para poder considerar com profundidade a dimensão conceitual na qual Schopenhauer expõe sua teoria do mundo como Representação e, por conseguinte, desenvolver uma análise do comportamento da razão no interior desse mundo, é necessário que se tenha em mente algumas noções introdutórias quanto ao termo representação.

Em Schopenhauer, representação refere-se a uma "complexa atividade fisiológica no cérebro de um animal ao fim da qual se tem a consciência de uma imagem" (BARBOZA, 1997, p.30). Mas, ao que concerne a possibilidade da efetivação de um processo mental que leve a formação de imagens e, por conseguinte de conceitos, é o que agora será abordado.

De modo geral, o mundo é representado a partir de tudo aquilo que aparece como figura (forma) para o entendimento. Através dos órgãos dos sentidos, os primeiros dados fornecidos pela experiência conduzem à representação. No processo de "elaboração mental" para a definição de uma imagem o sujeito é ativo, e possui três formas puras e inatas de conhecimento para poder conceber o mundo que o envolve, quais sejam: o tempo, cuja essência é a sucessão; o espaço, cuja essência é somente a posição; e, por fim, a causalidade, que está sempre buscando as origens dos fenômenos. Essas formas constituem o denominado princípio de razão suficiente. Contudo, numa perspectiva kantiana, o mundo no qual se dá o conhecimento é o dos fenômenos, isto é, o que é visível.

No primeiro livro de O Mundo como Vontade e como Representação encontra-se a aplicabilidade do Entendimento. Por isso, sua natureza está ligada a epistemologia. Mediante as formas de entendimento se dão as intuições imediatas das coisas. O mundo, especificamente com esse viés, é uma conclusão do Entendimento. É preciso um trabalho intelectual de construção das coisas; é por isso que se pode afirmar que a realidade é um produto originado a partir de um efetivar do sujeito. Caso contrário, a teoria da representação não se fundamentaria.

Levando em consideração a relação sujeito-objeto no âmbito do conhecimento, a filosofia que Schopenhauer concebeu ainda em sua juventude é marcada por não pactuar com duas correntes filosóficas: o idealismo e o realismo. Quando Schopenhauer não toma o sujeito como ponto de partida não quer dizer que ele se coloca no plano de uma filosofia realista. Isso porque nem o objeto é tomado como ponto de partida. Por outro lado, não partindo do objeto, Schopenhauer não cai na dinâmica do idealismo que considera o sujeito como referência.

Deste modo, Schopenhauer não parte nem do sujeito nem do objeto, mas, ele toma a representação como seu ponto inicial, o ponto de partida. Isso é fundamental para a presente análise, pois, tudo no mundo é e somente é por um fundamento pelo qual é. E, todavia, é este o papel do entendimento abordado nesse primeiro sentido, ou seja, um papel cognoscitivo que fundamenta o mundo.

É imprescindível ter em mente que toda consideração de Schopenhauer em relação ao mundo como representação remete à realidade externa de tal mundo. Trata-se da realidade empírica. Mas realidade empírica, no sentido schopenhaueriano, é o fazer-efeito do sujeito. É a efetividade.

Com posicionamento contrário ao dogmatismo-realista e ao ceticismo, e referindo-se a eles, Schopenhauer afirma:

(...) tem-se de fazer uma correção de ambos, primeiro com o ensinamento de que objeto e representação são uma única e mesma coisa; em seguida, que o ser do s objetos intuíveis é precisamente o seu FAZER-EFEITO, exatamente neste consistindo a efetividade das coisas, e que exigir a existência do objeto exteriormente à representação do sujeito, bem como um ser da coisa efetiva diferente do seu fazer-efeito, não possui sentido algum e constitui uma contradição (SCHOPENHAUER, 2005, p.57, grifo do tradutor).

Nisso se fundamenta a tese de Schopenhauer que toma o conhecimento sobre a maneira de fazer efeito de um objeto intuído como condição que o esgota como objeto mesmo, ou seja, como representação fenomênica. Caso esteja foradessa representação, o objeto não oferece nada para o conhecimento. Por isso se pode dizer que o mundo, quando dá sinal de si como causalidade pura, é perfeitamente real, pois é intuído no espaço e no tempo. Desse modo, o mundo que faz efeito é condicionado pelo entendimento e nada é sem ele. A causalidade, como categoria presente no entendimento, é também somente para o entendimento. Sendo assim,o mundo inteiro dos objetos é e permanece representação, e precisamente por isso é, sem exceção em toda a eternidade, condicionado pelo sujeito, ou seja, possui idealidade transcendental. Desta perspectiva não é uma mentira nem uma alusão. Ele se oferece como é, como representação, e em verdade como uma série de representações cujo vínculo comum é o princípio de razão (SCHOPENHAUER, 2005, p. 57).

Dessa forma e com as palavras do próprio filósofo, o que mais acentuadamente caracteriza uma representação. Assim, passa-se à consideração do que é uma das "raízes" que fundamentam o mundo e fora inserida por Schopenhauer em sua tese doutoral intitulada Da quádrupla raiz do princípio de razão suficiente de 1813, qual seja, a da noção do princípio de razão do devir.

4.1.2. O corpo como caminho para o conhecimento

Atuando no campo da cognoscibilidade humana, a noção de corpo em Schopenhauer apresenta-se como um recorte específico e inovador. Justamente devido ao corpo ser possuidor de órgãos de sentidos, ou seja, atuar no mundo fenomênico, é possível o trabalho do entendimento em vista da elaboração de intuições, pois somente nele (corpo) e com ele pode-se dar a intuição de cada indivíduo. Como afirma Schopenhauer, o corpo é um "objeto imediato, vale dizer, é um conjunto de sensações" (BARBOZA, 1997, p. 33). É importante ressaltar que, o corpo também é meramente representação, uma vez que, como todo o mundo, ele é visto só do ponto de vista da cognoscibilidade humana.

Em linhas gerais, o que se apresentou nesta primeira parte como a concepção do mundo intuitivo schopenhaueriano não é de nenhuma maneira transferido para um segundo plano ao inserir a análise referente aos conceitos abstratos, ficando assim evidente, a dimensão que abrange cada uma dessas vertentes. Isso faz com que fique claro que o conceito razão em Schopenhauer, sob um primeiro aspecto, é essencialmente instrumento para a possibilidade do conhecimento.

4.2. SOBRE A RAZÃO PRÁTICA E A SABEDORIA DE VIDA

Toda leitura precisa da principal obra de Schopenhauer, O Mundo como Vontade e como Representação, faz tornar-se perceptível que, a análise do conceito razão, que se apresenta como instável e, por isso, mutável devido à sua passagem do âmbito teórico para o nível prático, tem a partir do capítulo 16 do primeiro livro de O Mundo... seu fundamento essencial. É notório que o Schopenhauer de 1851 em Parerga und Paralipomena já não é o mesmo que o de 1818 em O Mundo como Vontade e como Representação. A filosofia de 1851 apresenta um Schopenhauer adulto e portador da consciência de que seus escritos já arrebanhavam discípulos, como Frauenstadt e Gwinner. Por isso, a filosofia outrora apresentada em 1818 não é em todos os sentidos concernente com esta última mencionada.

Quando se toma o livro O Mundo como Vontade e como Representação é possível notar que o conceito razão, e com ele todo o enfoque da obra, adquire matizes diversos e em cada momento apresenta-se como uma estrutura peculiar. Provavelmente seja esse o alerta principal que abre caminho para afirmar que é possível o resgate de um otimismo prático eclodindo de um pessimismo teórico.

O que, todavia, acontece com a passagem da primeira "fase" para esta segunda é tão somente a diferenciação com relação à finalidade e o papel próprios da razão, mas não que ela tenha deixado de tê-los. E essa outra ocupação da razão, ao invés de ser da elaboração e da construção do conhecimento humano, é a da conduta de vida das pessoas.

É somente na abertura do capítulo 16 de O Mundo... que a razão tida como prática é enunciada, sendo dita desse modo: "Após as considerações sobre a razão enquanto faculdade especial e exclusiva do homem, e sobre a que fenômenos e realizações próprios da natureza humana, falta ainda falar da // razão na medida em que conduz a ação das pessoas[...]" (SCHOPENHAUER, 2005, p. 138).

A transferência do papel primordial da razão humana para o plano da prática está diretamente ligada com a consideração já feita de que mesmo sendo capacitado para a arte da formação de conceitos abstratos, o homem sempre se baseia em atributos conhecidos imediata e intuitivamente. A partir dessa consideração faz-se uma inferência do que fica mais perceptível: o homem natural sempre atribui mais valor àquilo que é conhecido in concreto, imediatamente. Os conceitos tidos como frutos da abstração são meramente pensados. Procedendo assim, Schopenhauer vai contra a afirmação de que o homem prefere o conhecimento empírico ao lógico (SCHOPENHAUER, 2005, p. 140).

É, pois, justamente o caráter prático da vida humana que o filósofo almeja defender como o modo mais correto. Schopenhauer afirma que "O contrário pensam as pessoas que vivem mais nas palavras que nos atos. Que enxergam mais no papel e nos livros que no mundo efetivo, e que, ao degenerarem, tornam-se pedantes e apegados à letra" (SCHOPENHAUER, 2005, p. 140).

Há, no entanto, uma necessidade de se abordar, diante do fato do vasto e incerto horizonte de possibilidades da ação humana, uma maneira adequada de se viver. Eis aí, a esfera que motiva o tratamento desse estudo como um segundo sentido de averiguação do comportamento da razão.

Na filosofia schopenhaueriana falar de uma "sabedoria de vida" é, primeiramente, efetuar um recorte na estrutura geral de seus escritos. Na introdução de seus Aforismos para a Sabedoria de Vida (1851), Schopenhauer deixa claro que é preferível procurar o modo mais agradável possível de se viver invés da não-existência. Ao estudo concernente a esse "modo de viver" e pode-se também denominá-lo eudemonologia.

O relato acima mencionado pode ser tomado como um destacamento do pensamento de Schopenhauer e consiste na consideração da concepção de vida – sobretudo a partir dos livros I e II de O Mundo como Vontade e como Representação – como objetivação da Vontade que traz consigo a autodiscórdia que, por sua vez, se espalha na guerra de todos os indivíduos pela matéria constante do mundo. A fim de ver a afirmação de sua espécie, cada indivíduo porta consigo uma vontade de aniquilação do outro. Este é o elemento que gera sofrimento e dor em todo lugar onde houver vida. Tal é o motivo principal que permite a verificação de um pessimismo exacerbado na filosofia de Schopenhauer. Além do caráter pessimista advindo da autodiscórdia vital, o que se tem como conseqüência é o conceito de Negação da Vontade que, por sua vez, tem como ponto culminante o ascetismo. Ora , se a vida é sofrimento e tédio, o que há de mais valoroso é a negação dela mesma. Ademais, é nisso que consiste, em suma, o último livro de O Mundo...

Contudo, o conteúdo das páginas que se seguem consiste na análise de uma possível saída dessa realidade pessimista, ao que Schopenhauer também chamou de "uma acomodação", desviando-se desta forma, do ponto de vista ético-metafísico que se dá no campo prático e que se chama "sabedoria de vida" a qual, acredita-se, tem por base e fundamento a razão prática, já antes indicada na obra de 1818.

A sabedoria prática juntamente com a razão encontra seu desfecho numa meta de precaução: para quem toma a sabedoria de vida como norte cabe não ceder às adversidades, mas evitar as dores. Devido a isso, é possível afirmar que é mais sábio compactuar com o justo meio e não estritamente com os prazeres do mundo. É, portanto, mais digno avaliar uma pessoa pela quantidade de males que evitou do que pelos prazeres que fruiu. Ora, a sabedoria de vida é o meio e também a condição para se evitar a atração das desgraças e, com isso, alcançar uma vida sábia e com boa qualidade. O ponto máximo do uso da razão prática consiste, portanto, num equilíbrio entre luz e sombra, ou seja, entre felicidade e sofrimento, sendo que ambas levam a musa desconhecida, a morte. Para Arthur Schopenhauer, esse é um método filosófico que não pactua com o mero eufemismo.

Para construir e solidificar seu tratado da "sabedoria de vida" Schopenhauer toma o modelo aristotélico que divide os bens da vida humana em três classes que constam na obra do autor, a saber, Aforismos para a sabedoria de Vida, quais sejam: os exteriores, os da alma e os do corpo. Ele demonstra, a partir destes, que os homens podem ser diferenciados de acordo com três determinações fundamentais, sejam elas, o que alguém é, o que alguém tem, e o que alguém representa.

Nas palavras do próprio Schopenhauer:

1) O que alguém é: portanto, a personalidade no sentido mais amplo. Nessa categoria incluem-se a saúde, a força, a beleza, o temperamento, o caráter moral, a inteligência e o seu cultivo. 2) o que alguém tem: portanto, propriedade e posse em qualquer sentido.3) o que alguém representa: por essa expressão, como se sabe, compreende-se o que alguém é na representação dos outros, portanto, propriamente como vem a ser representado por eles. Consiste, por conseguinte, nas opiniões deles a seu respeito, e divide-se em honra, posição glória (SCHOPENHAUER, 2005, p. 3).

Como visto na citação acima, claro e evidente fica que é esta a divisão que constitui parte dos Aforismos para a Sabedoria de Vida. É com o apontamento de cada uma destas três divisões – embora não se atendo muito a detalhes – que, acredita-se, fica evidente a passagem de uma razão teórica do campo do conhecimento para outra prática do campo da sabedoria de vida.


4.3. A ÉTICA DE SCHOPENHAUER: RAZÃO ÉTICO-MÍSTICA

Para que se chegue a uma demonstração de que em Schopenhauer o papel da razão não fica restrito à simples efetivação de objetivos, é, todavia, necessário ter em mente que o conceito base do filósofo é a Vontade. A partir do momento em que já se possui noção do que trata este conceito norteador, outro aspecto de suma importância é ter em mente que na filosofia schopenhaueriana há também o que se denomina como Negação da Vontade, noção que se pode tomar como pressuposto básico a partir do qual a ética de Schopenhauer pode ser adjetivada de desinteressada.

Quando, porém, se considera a razão de acordo com o terceiro aspecto apontado nesta pesquisa, ou seja, a razão ética da filosofia schopenhaueriana, é preciso que se considere que ela toma outro sentido e uma outra finalidade que não o do conhecimento. Nesse sentido, a razão prepondera sobre a Vontade que se faz presente mais intensamente no asceta.A Vontade, em Schopenhauer, é a essência íntima do mundo, irracional e cega, a coisa-em-si kantiana que se manifesta em seu ponto culminante no ser humano através de seu próprio corpo. Quando se dá a negação de tal Vontade ocorre que, como afirma Schopenhauer, "a coisa individual se torna a idéia de sua espécie, e o indivíduo que intui, o sujeito do conhecimento".

Esta negação, por conseguinte, acontece estritamente de três modos: através da contemplação do belo (no âmbito da estética), por meio da boa ação por compaixão (ética) e, por fim, como máximo grau, através da ascese. Verifica-se, então, o outro papel da razão em Schopenhauer: o místico.

Para tratar de algo tão essencial e peculiar nesta pesquisa como o é o conceito de uma razão ético-mística na filosofia de Schopenhauer , ésobremaneira imprescindível que antes abordemos, de forma breve, sobreum conceitointimamente ligado a este,a saber : a Vontade.


4.4. A VONTADE

Ao que tange a conceituação da Vontade feita por Schopenhauer, seria aqui, reduzir a definição do filósofo se suas palavras não fossem citadas. Em uma das passagens de tal conceituação encontra-se o seguinte:

Reconhecerá a mesma vontade como essência mais íntima não apenas dos fenômenos inteiramente semelhantes ao seu, ou seja, homens e animais, porém, a reflexão continuada o levará a reconhecer que também a força que vegeta e palpita na planta, sim, a força que forma o cristal, que gira a agulha magnética para o pólo norte, que irrompe do choque de dois metais heterogêneos, que aparece nas afinidades eletivas dos materiais como atração e repulsão, sim, a própria gravidade que atua poderosamente em toda matéria, atraindo a pedra para a terra e a terra para o sol, - tudo isso é diferente apenas no fenômeno, mas conforme sua essência em si[...] chama-se VONTADE (SCHOPENHAUER, 2005, p. 168).

Perceba-se como no presente fragmento extraído do primeiro livro de O Mundo... o filósofo expõe de forma assertiva no que consiste o conceito Vontade. E como o mundo inteiro é revelador desta Vontade, o homem, por sua vez, é oseu principal meio para isso, uma vez que este é a forma mais visível e mais perfeita de sua manifestação. Pelo fato do homem ser dotado de inteligência, nele a Vontade chega à consciência de si mesma.

Na manifestação da Vontade ocorre a afirmação da vida. Por esse fator, no pensamento schopenhaueriano, é um pleonasmo falar numa Vontade de vida, dado que uma subtende a outra. No entanto, o filósofo postula uma Vontade em geral que por sua vez se desdobra em vontades particulares. Com isso, salta-se aos olhos uma Vontade meta-física que tem as Idéias por seus atos originários. Aqui não se quer afirmar uma realidade "a parte" ao mundo, ou seja, fora dele, mas apenas além do visível.

Verifica-se que, o que Schopenhauer denomina como Vontade pode ser concebido como análogo ao conceito kantiano de coisa-em-si, uma vez que ela não pode ser vislumbrada no mundo fenomênico, sendo ela mesma o próprio noumenon. O conceito Vontade está associado ao fundo íntimo de todo fenômeno, à substância íntima, núcleo de toda coisa particular e do todo. Outros adjetivos que não podem ser excluídos numa tentativa de definição da Vontade em Schopenhauer são os de irracional e de cega. Ademais, com todo o risco do reducionismo, pode-se afirmar que quando se pensa em Vontade na filosofia de Schopenhauer, necessariamente, pensa-se em uma Vontade que quer vida a todo instante, a todo custo e, por isso fica constatado e "justificado" o pleonasmo em se falar de uma Vontade de vida.

Contudo, essa Vontade cega, infundada, que impulsiona o homem a um querer viver a todo custo, uma Vontade de vida que conduz ao sofrimento através da dor e do tédio, segundo Schopenhauer, não pode visar outro fim senão o de ser negada. A Negação da Vontade, por conseguinte, acontece estritamente de três modos: através da contemplação do belo (no âmbito da estética), por meio da boa ação por compaixão (ética) e, por fim, como máximo grau, através da ascese. Verifica-se, então, o outro papel da razão em Schopenhauer: o místico. Com base nisso, eis o motivo de uma possível terceira forma de razão no pensamento de Arthur Schopenhauer, qual seja, a ético-mística, mote central do presente estudo.

É, pois, importante que seja relatado sobre as duas principais formas de aniquilação ou negação da Vontade, quais sejam, a ética e a estética e, por conseguinte, sobre a negação total da Vontade sob o caráter ético-místico.


4.4.1. Negação da Vontade na estética

Schopenhauer, apesar do carregado pessimismo presente em sua filosofia, refletiu alguns caminhos que direcionam para a "anulação" da dor. Um destescaminhos foram encontrados na contemplação estética, visto que esta proporciona ao sujeito um "perder-se" no objeto, fazendo assim ocorrer a anulação das dores do mundo. Não de maneira definitiva, mas sim momentânea.

Ao conceber o belo desinteressado como um movimento de afastamento da Vontade, o filósofo aponta um caminho que neutraliza o impulso do querer-viver, pelo menos por instantes. Tal desinteresse, que acompanha a arte ou o prazer negativo, é o que faz interromper o ciclo das carências que expressa o sofrimento do mundo. Tendo em vista que a Vontade é a substância íntima, o núcleo de toda coisa particular e do todo, ela se manifesta na força da natureza e no homem. Nessa manifestação ocorre a afirmação da vida; e, para tanto, permanece inalterável. Após ter-se manifestado e afirmado no mundo, ela pode ser negada. Justamente neste ponto, ao contemplar o belo a partir de uma experiência estética, a existência do indivíduo pode ser neutralizada de seus interesses e desejos. Como afirma Schopenhauer:

Em tal contemplação, tanto o artista na qualidade de gênio quanto o sujeito que contempla são levados a um ascetismo momentâneo na sua atitude contemplativa diante do belo.

Desta forma, em meio à contemplação, não se separa o sujeito que INTUI da INTUIÇÃO, mas ambos se tornam UNOS na medida em que toda a consciência é integralmente preenchida e assaltada por uma única imagem intuitiva e, sendo assim, aquele que concebe na intuição não é mais indivíduo, visto que o indivíduo se perdeu nessa intuição, e sim o atemporal / PURO SUJEITO DO CONHECIMENTO destituído de Vontade e sofrimento (SCHOPENHAUER, 2005, p. 246).

Na contemplação estética, a vontade contempla-se de maneira desinteressada, não sofre mais consigo, é puro olhar. Essa liberação do conhecimento da escravidão da vontade, esse esquecimento do eu individual e de seu interesse material, essa elevação da mente à contemplação da verdade sem influência da vontade são funções do gênio artístico e do asceta. Ou seja, a arte atenua os sofrimentos da vida quando nos apresenta o eterno e o universal por detrás do transitório e do particular. O espírito das aparências fenomenais, através da contemplação estética, se eleva à intuição dos modelos ideais, isto é, à primeira manifestação da essência do em-si.

A arte nos faz ir ao "lugar de origem" das coisas onde elas realmente "são". Remetendo-nos a este lugar pela contemplação desinteressada anulamos o querer-viver. O filósofo observa que, através da contemplação do belo numa experiência estética, a existência do indivíduo pode ser neutralizada de seus interesses e desejos.

Na contemplação do belo nos desvencilhamos de nós mesmos a ponto de atingir um "perder-se" totalmente, mesmo que momentâneo. Enfim, o homem se liberta da vontade e com ela da dor através da atividade da arte na qual as coisas não são mais vistas na sua conexão causal, mas na universalidade da idéia.

4.4.2. Negação da Vontade na ética

A ética propriamente schopenhaueriana está embasada na compaixão. Compaixão entenda-se as ações virtuosas e desinteressadas presente em pessoas que atingiram tal grau de despojamento que passam a ter como suas as dores dos que a circundam. Com isso, a compaixão é também, pode-se dizer, sinônimo de de ações não-egoísticas.

Por compaixão, pode ser também entendido como o ato do despojamento. O fazer algo em busca de benefício está caracterizado como seu oposto, isto é, a não-compaixão.

Sendo assim, podemos destacar no ascetismo, uma forma para o efetivar da compaixão.Na Negação da Vontade, este é considerado o grau máximo, o ponto culminante para se atingir a mesma, sendo a outra forma encontrada na figura do gênio. Porém, o que diferencia estes dois estágios – a saber que a genialidade está associada à arte e o ascetismo a beatitude – é que na figura do gênio não há consciência, ou seja (ele não sabe) que está negando a vontade e todo seu impulso "instintivo-destrutivo". O asceta, por sua vez, sabe.

Mesmo estando agindo dentro de uma ética, o gênio, cujo é dotado de um auto grau de inteligência, age sem a necessidade de uma finalidade, uma meta a chegar. Já no asceta, percebe-se o grau em que, no início, do mesmo modo que o gênio, não se tem consciência, contudo, mais adiante, com a "tomada da consciência" via conhecimento, há um progresso notório e esforçado em busca de uma maior negação, culminando destarte, numa libertação final.


4.4.3. Negação da Vontade: razão mística

Destarte, para Schopenhauer, a negação total da Vontade está presente em maior grau no ascetismo. Pois, é no asceta que com maior vigor, nota-se uma razão mística por excelência, uma vez que, com a efetivação do ideal ascético atingi-se, necessariamente, à noção de nada.

O asceta apresenta seu caráter no despojamento voluntário e intencional,desprendendo-se das coisas passageiras e tem a negação com um fim em si mesma. Para esta última, tudo o que ela quer énão querer. Este presente autoconhecimento que ora está presente no asceta passa a gerar a repugna em lugar do desejo (da Vontade). Não se pode, é claro, dizer que há uma supressão de todo desejo, uma vez que o corpo ainda é fenômeno da Vontade, contudo, passa a ocorrer um refreio intencional à volição.

A partir disso, percebe-se como Schopenhauer parece apontar o perfil do asceta ao expor as características do mesmo. Para a presente pesquisa, isso enriquece a argumentativa do texto no sentido do apontamento de uma razão mística no pensamento do autor.

Veja-se com as palavras do próprio Schopenhauer, alguns adjetivos para o caráter passivo do santo:

Como ele mesmo nega a Vontade, que aparece em sua pessoa, não reagirá quando um outro fizer o mesmo.[...] Nesse sentido, todo sofrimento exterior trazido por acaso ou maldade, cada injúria, cada ignomínia, cada dano são-lhe bem-vindos. Recebe-os alegremente como ocasião para dar a si mesmo a certeza de que não mais afirma a Vontade. [...] Suporta os danos e sofrimentos com paciência inesgotável e ânimo brando. Paga o mal com o bem, sem ostenção, [...] mortifica sua visibilidade, a sua objetidade, o corpo: alimenta-o de maneira módica para evitar que seu florescimento exuberante e prosperidade novamente animem e estimulem fortemente a Vontade. [...] (SCHOPENHAUER, 2005)

Com isso, Schopenhauer apresenta ao traçar o perfil do asceta, o estilo de vida que é almejado por muitos cristãos, hindus e budistas. Para Schopenhauer, é irrelevante o tipo de dogma professo por tais ascetas, de modo que o autor é tido como um "desertor do Ocidente". Em suma, pode-se dizer que é propriamente em função deste "conhecimento íntimo e imediato" que é nesta pesquisa postulada a tese da possibilidade de uma terceira forma de razão na filosofia de Schopenhauer. Eis até aqui, os elementos básicos para o entendimento de uma possível razão ético-mística no pensamento do autor de O Mundo como Vontade e como representação.


5.DISCUSSÃO

Todo o conteúdo presente neste estudo faz com que se perceba o domínio que se possuí sobre o tema trabalhado. Sobretudo, percebemos esse mencionado domínio na apreensão de conceitos schopenhauerianos como razão, Princípio de razão suficiente, Vontade, Negação da Vontade etc. Em um segundo momento, a leitura do livro quarto de O Mundo..., intitulado Do mundo como vontade (segunda consideração) constituiu um horizonte mais amplo para explorar e ir em busca da essência dos conceitos abarcados no livro.

O desenvolvimento de raciocínio levado a termo durante a pesquisa consistiu primeiro na compreensão dos conceitos de razão já apontados por Schopenhauer, quais sejam, a razão epistemológica e a razão prática, num segundo momento analisar o caráter mutável da razão no pensamento do autor e, por fim, o apontamento de um terceiro nível da razão não conceitualmente apontado por Schopenhauer, o mote da presente pesquisa, a saber: a razão mística.


6.CONCLUSÃO

O principal motivo da presente pesquisa pautou-se em analisar, na filosofia de Arthur Schopenhauer, o comportamento da razão e algumas características de seu caráter mutável. Para que isso fosse possível foi imprescindível a consideração de conceitos como Vontade e Negação. Doravante, somente a partir da análise de tais conceitos que foi possível interpretar um terceiro momento do conceito razão, que, em linhas gerais, não foi indicada conceitualmente pelo filósofo alemão, sendo descrita então sob as noções de Negação da Vontade, compaixão e ascetismo. É sob este viés, que se pode detectar a razão mística como um terceiro nível interiorizado nos argumentos da filosofia schopenhaueriana.

Em Schopenhauer, o primeiro sentido do termo razão está centrado na preocupação de solidificar sua tese de que o mundo no qual vivemos é tão somente de um lado Vontade e de outro Representação. Para está consideração foi necessário analisar, na filosofia do autor, o mundo dos fenômenos no qual semanifesta a Vontade. Destarte, a razão epistemológica, faz-se presente na fundamentação da concepção de mundo schopenhauerianamente falando. Pelo fato de portar consigo conceitos como o de entendimento, princípio de razão suficiente e intuição, este aspecto da razão envolve uma finalidade, e por este fator, é interessada, sendo meio para haver um conhecimento de mundo.

A razão nos escritos de Schopenhauer toma outra direção ao que concerne a uma preocupação com a conduta de vida do homem. O que se denomina razão prática é construída do décimo capítulo em diante da obra O Mundo como Vontade e Como Representação e assim como a anterior é também interessada já que está em vista da possibilidade de uma vida menos infeliz. Sob esse prisma, pode ser considerada prática e eudemonológica.

No terceiro e último aspecto da razão apontado na presente pesquisa, observa-se que ela toma outro sentido na filosofia de Schopenhauer e apresenta-se, diferente das outras, com um caráter desinteressado, isto é, totalmente desprovido de interesses. Esta última forma encontra seu ponto culminante no ascetismo.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

SCHOPENHAUER, Arthur. O Mundo como Vontade e como Representação. Trad. Jair Barboza. São Paulo: UNESP, 2005.
SCHOPENHAUER, Arthur.Aforismos sobre Filosofia de Vida. Trad. Gilza Martins Saldanha da Gama. Rio de Janeiro: EDIOURO, 1991.
BARBOZA, Jair. Infinitude subjetiva e estética: natureza e arte em Schelling e Schopenhauer. São Paulo: Ed. UNESP, 2005.
SCHOPENHAUER, Arthur; BARBOZA, Jair. Metafísica do belo. São Paulo: Ed. UNESP, 2003.
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[1]Este termo é um conceito de Schopenhauer ligado ao entendimento que se corresponde, numa perspectiva Kantiana, ao tempo, ao espaço e a causalidade, os quais são elementos constituintes do próprio princípio de razão suficiente e que existem na consciência, independente dos objetos que aparecem nessas formas, e que encerram todo o seu conteúdo.

[2]O termo é tomado propriamente como sendo um lugar onde o princípio de razão atua e numa perspectiva fisiológica, entendimento pode desgnar cérebro, crânio ou cabeça.



















domingo, 5 de setembro de 2010

O que é Arte ?


Por Christiane Forcinito

Nietzsche dizia : "Temos a arte para que a verdade não nos destrua" e eu, sinceramente concordo com ele, pois, diante de tanta realidade muitas vezes "nua e crua" é esta que alimenta nossa alma e que muitas vezes apazigua nosso espírito.

A afirmação que fiz acima pode ser uma colocação muito estrita e subjetiva da arte, pois não há uma definição sobre o que é a arte visto que possa ter várias definições dependendo do foco ao qual esta pode ser interpretada, ou seja, a arte pode ter várias definições desde a etmológica, a psicanalítica, a instrumentalista e a estética.


A definição etmológica pode ser encontrada em muitos manuais consiste em dizer que a arte é uma extensão da religião, pois ela teve um caráter mágico, religioso e mítico que surgiu com os homens primitivos.

Já a definição psicanalítica é um tanto polêmica pois ela afirma que a arte é uma "válvula de escape" tanto para o artista (que possui emoções) quanto para o espectador, ou seja ambos podem mostrar facetas de ambos tanto como uma fuga do real para o belo quanto mostrar um lado mais sombrio.


A definição instrumentalista já nos remonta também ao aspecto religioso e político, assim como o pedagógico e moral, ou seja a arte utilizada para um determinado fim. E a estética que define a arte como sendo a arte pela arte, em outras palavras é o simples prazer gratuito que esta nos proporciona sem importar a psicanálise, a finalidade, a história, a filosofia, a concepção que a trouxe, enfim, nada importa é simplesmente se "sinto prazer".


A "estética" é uma arte das sutilezas eu diria, pois para apreciar a arte pela arte é necessário ter um espírito extremamente preparado e "refinado" ( Harold Osborne tb disse isso) para isso.
 
Enfim, diante destas várias defnições do que vem a ser arte, ainda sim penso de ela é necessária para o bem da nossa alma, afinal a nossa prórpia existência deve ser vivida como se fizéssemos dela uma eterna obra de arte. 
 
Sei que poderia ter desenvolvido mais este texto, porém o horário e os afazeres não me permitiram a aqui é um blog não uma revista especializada... (risos).
 
Christiane Forcinito.

sábado, 10 de julho de 2010

O simbólico na Teodicéia: O Eros

Por Christiane Forcinito


O que é a "Teodicéia"?


Talvés esta seja a primeira pergunta quando se depara com um texto com esse título e isso é totalmente normal para quem nunca teve acesso a nenhum estudo filosófico ou se teve foi um estudo de nível básico e nada que tenha que se envergonhar por isso.


Teodicéia é o estudo da uma abordagem da questão de Deus a partir de um pensamento filosófico -religioso (na faculdade geralmente estudamos o pensamento ocidental) estabelecendo diálogo com o contexto sócio -cultural e político da época e atual. Se alguém discordar desta definição sinta-se a vontade para escrever, afinal ainda sou uma filósofa em construção.


A teodicéia possui bases antropológicas, estuda por exemplo a experiência humana do divino, a experiência religiosa no mundo grego onde podemos fazer várias releituras sobre a questão do mito, e se formos estudarmos este mesmo foco no mundo semítico poderemos fazer a mesma releitura nos elementos da crítica bíblica por exemplo.


A teodicéia estuda a questão do ser humano na busca do absoluto e o problema da "arché" em oposição ao mito e assim entrando em Platão com o mundo das idéias e a questão do "demiurgo", na metafísica de Aristóteles. Na questão do "Sumo bem" de Santo Agostinho e nas "Provas da existência de Deus" de Santo Tomás de Aquino.


Emfim é mais uma disciplina que se entrelaça com outras próprias da filosofia e que aqui vou me fixar neste texto nela e a questão do simbólico, mesmo porque amanhã farei uma prova sobre isso e aproveito não só para postar um novo texto no blog como estudá-lo e o clima propenso visto que muitos por aqui estão dando ênfase no Eros... e que tem muito haver com a questão do simbólico...


Na Natureza há um predomínio no simbólico isto é o Eros...


O Eros na mitologia Grega

O mundo era árido e sem vida e assim Eros “tomou suas flechas doadoras de vida, penetrando o frio seio da terra” e “imediatamente a superfície castanha ficou recoberta de luxuriante verdura”. Cria a vida.

Eros é a vivência das intenções pessoais e o significado do ato. É um estado do ser. Agarramos-nos a excitação e queremos que continue sempre, pois o Eros é a ânsia, a eterna procura de expansão.

Eros é a força que nos atrai, é a força que nos impele ao que pertencemos. União com nossas próprias possibilidades, união com pessoas significativas do nosso mundo, em relação a quem descobrimos nossa auto realização... “Areté” (existência boa e nobre que todos buscamos).

O Eros quer sempre estar desperto, pensando no amado, como os chineses dizem “experiência de múltiplo esplendor”, recordando, saboreando...

Eros é a busca da ampliação do estímulo, a fonte de ternura, a genuína união, na qual a finalidade do desejo não é a satisfação e sim seu prolongamento...O Eros é o desejo ardente, a ânsia , o desejo de amar. Resumindo: “Todo o começo é encantador”...


Eros e Sexo são diferentes para os gregos.
Sexo é redução de tensão, excitação fisiológica, a gratificação e a satisfação do desejo para depois de um ritmo e resposta vir a redução desta tensão e alívio.

O sexo vem do latim “sexus” que significa separação, como que distinguir funções fisiológicas, isto é o caráter macho e fêmea. É um termo zoológico, um padrão das funções neurofisiológicas.


O sexo é caracterizado pelo entumescimento dos órgãos e enchimento das gônadas (onde se necessita um alívio satisfatório). Sexo é necessidade, onde a finalidade do sexo é o orgasmo, mas não para o Eros.

Depois do sexo há o sono, o descanso e o alívio que o corpo responde.


Eros em Platão

“Lembrar do Eros deve-se voltar ao “Banquete”, onde Platão descreve o amor:” Não é mortal, nem imortal, mas fica entre os dois... É um grande espírito (demônio) e como todos os espíritos um intermediário entre o divino e o mortal... “É o medianeiro unindo o abismo que separa os homens e os deuses e, portanto nele tudo se reúne...”.

O amor significa dar forma interior da pessoa e buscar esta forma unindo-se á ela. O Eros é o impulso que o leva a unir-se com outra pessoa.

No caso de Platão é também a ânsia pelo conhecimento fazendo com que impila o homem ao encontro com a verdade.

Eros é a força geradora, isto é ela é eterna e imortal e esta criação é o ponto mais “Divino e imortal” que o homem pode chegar.

O Eros também pode ser o impulso para procriação mas no sentido de unir-se, assim como nos animais, mas os humanos estão em perene mutação, onde há uma dimensão de experiência psicológica e emocional quanto biológica.

No caso da psicologia o Eros se manifesta nesta procura do auto-conhecimento, expansão do “self”, no impulso do indivíduo se dedicar a busca da verdade. Eros tornando-se ponte do ser no vir - a – ser.

Santo Agostinho diz que o Eros é a força que nos impele para Deus. Nietzsche diz que está no amor fati. Camus o Eros nos impele para a auto - realização e nós, nossa natureza humana dificilmente encontrará melhor auxiliar que o “Eros” para nos impelis para o verdadeiro.



Uma Reflexão... A RUPTURA ENTRE AMOR E SEXO

Hoje vivemos numa sociedade onde há por um lado a banalização do sexo e do amor, onde o sexo é usado como instrumento para prova de sua própria identidade, isto é, usamos a sensualidade para ocultar a sensibilidade e assim castrando o sexo tornamo-os vazio e sem ligação com o amor.

A sexualidade sofreu transformações significativas inclusive no âmbito sociocultural, isto é, hoje é mais um objeto de mercado. A liberação sexual que a priori era uma tentativa de buscar uma expressão humana acabou tornando-se uma mudança de perspectiva na qual tornou o sexo mais uma ferramenta levando a separação de teorias como Eros e o sexo, ou seja, em toda essa abertura e questões subjetivas que foram se abrindo depois disso como por exemplo, gays, héteros, homens, mulheres que às vezes estão em um campo de batalha numa luta pelo poder a cisão ficou maior ainda na qual Eros e sexo não precisavam nem sequer existir, um não necessitava nem um pouco da existência do outro.

Hoje o sexo está mercantilizado também de tal forma que o “desempenho” se tornou palavra de ordem. Todos estão preocupados com sua forma, culto ao corpo e seu desempenho sexual. A pessoa se tornou um objeto de tal forma que perdeu totalmente sua subjetividade. E o que na época se procurava libertar (Anos 60) hoje se tornou alienação.

O capitalismo também lucra muito e com isso a sexualidade além de gerar prazer proporciona um incentivo para um comércio na qual fica evidente que a compulsão do comportamento atual está longe do amor der o “Eros” dos gregos.

Nesta grande inversão de valores há a instabilidade onde a cisão entre Eros e sexo se faz presente e abala as bases da sociedade, isto é a família, surge na sociedade a pressão também do capitalismo materialista com o nascimento de um herdeiro o que torna o casamento o sexo meio impositivo e obrigatório. Há também a ligação entre sensualidade e dinheiro na qual o desejo é inserido e o matrimônio começa a ser degradado, os problemas não são resolvidos entre o casal e acabam sendo despejados nos filhos e com isso divórcios e separações.

E com o culto ao orgasmo, expressão da mecanização do amor, hoje está tudo extremamente distorcido e os paradigmas rompidos. Hoje se procura alguém para não ficar sozinho, para aliviar suas tensões, enfim, se procura alguém por diversos motivos exceto pelos verdadeiros.

O amor, o que vem a ser o amor?

Hoje se perdeu a dimensão do que é o amor, do que é o corpo e a sexualidade... Não estou nem querendo parecer puritana, moralista, longe disso, bem longe disso... Quem me conhece bem sabe que não tenho nada de puritana e nem moralista.... Mas profundamente o que meus amigos e leitores acham?

Grande abraço!

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010



Tão poucos filósofos são possíveis de se deparar como sendo de tão difícil compreensão como Heidegger. Embora esse pensador alemão seja sistemático, os termos encontrados em sua complexa obra capital, Ser e Tempo (o próprio Heidegger definia como confusa [Safranski, 2001]), e todos seus escritos, exigem uma constante atenção no sentido de desvelar os termos que Heidegger utilizou – foi também um grande inventor da linguagem, com influências sobretudo de Hölderlin, o poeta que ao seu ver exercia a comunicação mais íntima com o ser -, do contrário caímos no sem-sentido. É ao lado de Sartre um dos maiores filósofos do existencialismo moderno, porém muito questionado por estar preocupado com uma ontologia do Ser, o que descaracterizaria a corrente filosófica dos existentes singulares, contudo, é sem dúvidas um grande nome que também permite a apreensão do homem singular. A questão fundamental é saber usar as determinadas contribuições de Heidegger, sem descaracterizá-las, e não simplesmente recusá-las somente porque podem apresentar pressupostos que soam contrários a um determinado modo de pensamento – fadado ao fracasso se a hermenêutica for um dos princípios desse “modo” de pensar.

Sua obra, embora tenha o realce pautado no sentido ontológico do Ser, atravessa, necessariamente, os caracteres ônticos. Lembrando que o próprio Heidegger recusava o termo existencialista para si, e que a sua vasta obra é fonte inesgotável para estudos, o que apresento abaixo é um breviário do conceito central de Heidegger, o Dasein, onde aí, a meu ver, revelam-se as múltiplas possibilidades do pensamento heideggeriano enquanto contribuições fundamentais para o existencialismo.

O homem não é um ente, não é uma coisa aí, estática, congelada. Diante da impossibilidade de um conhecimento do Ser como objeto, com determinados princípios característicos, Heidegger cria o conceito de dasein para buscar apreender o “ente”, o ser. Mas é lógico que o dasein não é mais do que um modo de ser, é ontológico como sendo um ente para o qual, em seu ser está em jogo o seu próprio ser, mas o dasein só pode ser o “meu” quando penso em compreendê-lo. Nesse sentido, os demais entes são ônticos. O dasein não pode ser apreendido como essência, pois nele reside a existência e existir é estar aí, lançado no mundo com todos os seus possíveis e impossíveis. Podemos buscar uma “compreensão existencial”, mas nunca um fechamento do dasein como sendo algo da ordem do é.

O dasein já está no mundo, portanto, não pode ser constituído como isolado senão como ser-no-mundo que já é o seu próprio aí, seu ser. Assim, possui caráter aberto. Sua abertura não significa conhecimento, mas um “existencial” que fundamenta e cria o conhecimento. Para o ser-no-mundo, há 3 elementos fundamentais:

a) situação original: o sentimento, literalmente, de estar aí, uma estado de “espírito” que se percebe como existente em sua facticidade. Chama-se abandono esse fato de estar lançado no mundo: jogado e abandonado no mundo para existir – o que não significa que o foi jogado por uma entidade divina para poder existir

b) compreensão: não enquanto conhecimento, mas no sentido de “estar diante de [alguma coisa]“, é na compreensão, nas múltiplas interpretações que reside o dasein como nunca sendo algo dado para sempre, mas aquilo que ele pode ser. Aqui está presente um conceito que Heidegger chama de projeto (não enquanto um planejamento de se ser!), que diz respeito à forma existenciária de poder-ser.

c) discursividade: Heidegger foi um grande estudioso da linguagem. “O homem habita a linguagem”. A discursividade diz respeito à linguagem, mas não somente. Ela é a articulação do ser-no-mundo com a sua inteligibilidade de ser.

O dasein se revela na angústia. A angústia não é medo, pois não se encontra em lugar algum, não está em um objeto embora eu possa nomear ou representar algo como sendo uma fonte de angústia. A angústia na obra de Heidegger é ontológica, sua fonte é o mundo como tal. Como não estando em parte alguma, a angústia é a própria possibilidade-de-ser-no-mundo. É na angústia que o dasein se revela como uma facticidade em seu ser-no-mundo.

Esses elementos aqui colocados foram os que utilizei como primeiras reflexões antes de partir para a obra do próprio Heidegger, que estou longe de ser um profundo conhecedor. Outro elemento que utilizo como “fechamento” para esse resumo inicial é o de cuidado, que diz respeito ao dasein estar sempre transcendendo a si mesmo, na medida em que nunca se fixará em um é como sendo algo pronto e acabado. Em torno desse conceito está presente uma série de elementos a ser conhecidos como características do dasein, tais como todo o seu fazer, desejar, teorizar, explicar, etc.

Com muitas ressalvas do caráter resumido do exposto acima, que não aborda outros elementos centrais na obra de Heidegger que são o tempo e a morte (o dasein é também ser-para-a-morte), creio que talvez possa ser útil para aqueles que se interessam pelos pensamentos de um dos espíritos mais férteis da modernidade e diferenciado na história da filosofia. Certamente que o leitor interessado, diante da complexidade do assunto, não ficará preso a um só resumo.

Fonte: 
Safranski. R. Heidegger: um mestre da Alemanha entre o bem e o mal. Ed.: Geração Editorial, 2001.

 

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