quinta-feira, 7 de abril de 2011

Nietzsche e a Arte



Por Christiane Forcinito

O primeiro livro em que Nietzsche escreve se refere a arte. Em "O nascimento da tragédia" ele explora a noção da dualidade de dois princípios artísticos: O "apolíneo" e o "dionisíaco". O fio condutor do tema é a música e ele tem como objetivo encontrar uma resolução sobre o surgimento e o desaparecimento da tragédia grega.

A arte para Nietzsche é algo inerente a vida, isto é, partindo do pressuposto por ele analisado sobre a noção central de vontade de poder , a arte significa o que é vida é. E ele tem um compromisso tanto com a arte como com a vida e a vontade como força motriz como demonstra no primeiro parágrafo da obra aqui citada:

" Teremos ganhado muito a favor da ciência estética se chegarmos não apenas à intelecção lógica, mas à certeza imediata da introvisão de que o contínuo desenvolvimento da arte está ligado à duplicidade do "apolíneo" e do "dionisíaco", da mesma maneira como a procriação depende da dualidade dos sexos, em que a luta é incessante e onde intervém periódicas reconciliações. Tomamos estas denominações dos gregos, que tornaram perceptíveis à mente perspicaz os profundos ensinamentos secretos de sua visão da arte, não, a bem dizer, por meio de conceitos, mas nas figuras de clareza penetrante de seu mundo dos deuses."

Como aqui se trata de um blog e não uma defesa acadêmica irei expor um em muitas breves linhas a idéia de Nietzsche e a arte não só para a simples compreensão do leitor aqui, mas para um resgistro meu a fim de que os textos aqui escritos contribuam para minha futura tese.

Nietzsche começa falando do drama musical grego, onde há a oposição do dionisíaco ao apolíneo. Viver o dionisíaco é experimentar o lado mais dramático da existência, ou seja, deixar-se viver pela exarcebação dos sentidos. O deus Dionísio é o deus do vinho e da festa. O dionisíaco é o lado apolíneo com o pulsar cósmico da vida. Nela não há fronteiras e limites para a vida. É o instinto, a inspiração e a ação.

Segundo o filósofo, os deuses gregos eram necessários para os gregos, pois eles legitimava existência humana mostrando a vida sob uma ótica gloriosa. E com isso a arte grega cumpriria bem o seu papel ( como a arte deve ser segundo o autor) pois, transmitia ao receptor da arte a experiência estética do artista criador.

O apolíneo e o dionisíaco faz parte da estética ativa nietzscheneana pois são observados como par fundamental de impulsos artísticos da natureza, o qual geram estados fisiológicos vitais, estados de sensibilidade tanto no artista quanto no que contempla a obra.

Uma questão que deve ser analisada é o fato do dionísíaco ser encarada apenas como o "lado bacanal" da vida e o apolíneo como o correto, certo, equilibrado. É aí que cometem-se erros na interpretação da filosofia da arte em Nietzsche, pois ambos andam de mãos dadas entre si como forças cósmicas que fazem parte da nossa vida e do nosso ser.

Ambas forças se referem a própria vida, isto é, aos ciclos da vida, como nascer, crescer, se subsistir, reproduzir e morrer. Para fazê-los sentir o que Nietzsche quis dizer eis uma citação de Goethe que se enquadra bem no que quis explicar até aqui:

"Nas ondas da vida, na tempestade das ações, subo e desço, teço aqui e ali, nascimento e morte, um mar eterno, uma vida de mudança! Assim crio no estrepitoso mar do tempo"

Em suma, a principal questão da arte em Nietzsche  conduz ao impulso (potência) que chama a arte à vida. A arte em Nietzsche nada mais é do que um ode à vida e as forças que nos conduz, que mais tarde pode ser analisada juntamente com a vontade de potência.

terça-feira, 8 de março de 2011


Por Arnaldo Vasconcelos

"O texto de Nietzsche intitulado “Sobre a verdade e mentira no sentido extramoral” inicialmente guarda em si uma crítica contundente à verdade e ao conhecimento, que vale ser salientado em nossas perspectivas epistemológicas; e que é interessante ter contato em qualquer altura de nossos estudos para refletirmos um pouco a respeito do que é o conhecimento.

A crítica que o texto supracitado guarda é de suma importância e é um tanto desconsertante, quando mergulhados estamos, pois, na rotineira tentativa de estabelecer a verdade, e não tão rotineira, porém já comum pergunta em saber o que é de fato a verdade.

Os termos “verdade” e “conhecimento” são usados numa consonância semântica tênue (não há uma divisão clara a respeito) e o leitor precisa estar um pouco dissolvido da obsessão de tentar separá-las definitivamente. Isso pode soar um pouco esquisito a um analítico; mas se fizermos de tal forma poderemos notar o tom da crítica ácida e da revelação extraordinária que Nietzsche nos dá em seu texto: uma revelação acerca do engano que o conhecimento encerra sobre si.

Uma pequena anedota é contada no início, para que o leitor se mantenha alinhado à visão de que o conhecimento perante a história universal poderá ser pequena e uma invenção, acima de tudo.

A invenção do conhecimento, que já é uma expressão forte, é tomada como algo efêmero, mas cheio de “soberba”, cheio-de-si. E ao mesmo tempo enganadora. E é enganadora, mentirosa, pois seu lugar de um “rápido minuto” é posta como um centro universal; transmutando a pequenez do intelecto humano como se fosse o centro da razão do universo existir.

A seguir Nietzsche informa que até mesmo uma mosca, inundada com um pouco deste intelecto sobrevoaria o mundo, envolvida num pathos ou seja, influenciada por se achar o centro do mundo. A razão, a verdade, o conhecimento, portanto, engana o homem, como se este fosse um detentor de algo, que não possui e que foi criado por ele mesmo.

É um pathos na medida em que é uma afetação do comportamento humano perante à grandiosidade da natureza. E é uma afetação que tornou-se, para o homem necessária, para que ele esqueça justamente a posição ínfima e efêmera que pode ter no universo natural, como um todo. É um instinto de sobrevivência, que Nietzsche coloca muito pontualmente.

Está então explicado o porque o intelecto faz este homem esquecer de sua origem, de sua pequenez: a infelicidade é mascarada, assim por uma invenção humana. É uma invenção mentirosa pois.

Assim o conhecimento o põe como centro de um universo, para que este sobreviva, no ínfimo minuto em que a invenção se põe em funcionamento. Assim o efeito geral deste conhecimento, e do intelecto, é portanto enganar. (p. 53-54).

O engano é portanto um mecanismo no qual o indivíduo humano, fraco, é capaz de conservar-se vivo, feliz. É um instinto tão intenso que, o próprio Nietzsche afirma que o que seria em animais a luta com chifres pela conservação no homem está presente sob o mascaramento, o mentir, a dissimulação (p. 53) e a verdade e o conhecimento não fogem deste instinto de dissimulação.

Em seguida, Nietzsche argumenta, e esta é uma das chaves de sua argumentação, que o homem não tem um impulso à verdade por honestidade, mas sim por conservação. Pergunta-se ele, então, como pode o homem ter um impulso honesto, efetivo, para a verdade?

O homem para Nietzsche está imerso na mentira, na ilusão, que o conhecimento encerra, para que sobreviva à imensidão da natureza que o circunda: assim, então como poderemos chegar a alguma verdade, mesmo não tendo acesso profundo das coisas? Ou ainda pior: não podemos encontrar na verdade nenhum impulso advindo da honestidade. É um impulso enganatório.

A consciência é, portanto, um invólucro que impede que trivialidades da natureza atinjam-nos a alma: é uma enganação, também, com um cunho moral (com aquele mesmo impulso de sobrevivência)

Assim o impulso à verdade é um instinto de sobrevivência, e também uma ilusão, pois nos coloca como um “centro” do mundo, sem que suspeitemos de sua enganação. Não é, portanto, um impulso dirigido a alguma suposta honestidade. (p. 54).

Necessitamos sobreviver, tanto sós e em conjunto (em rebanho, para Nietzsche) e assim esse impulso é para a sobrevivência. Seja em tratados de paz ou outros, como pressuposto de atingirmos uma verdade. Sugiro aqui sérias críticas de Nietzsche à Kant e seu ideário moral. Assim a verdade como instinto de sobrevivência tem um elo com a moralidade, também criada para a sobrevivência de seres fracos que somos.

A seguir Nietzsche faz uma reflexão sobre a linguagem, pois esta possui o poder de “legislar” sobre a verdade (p. 54).

A linguagem seria, então, para ele um fixador do que é a verdade e o que pode ser a mentira: e isto nasce na medida em que se busca sobreviver socialmente.

Argumenta que o homem não desgosta da ilusão, mas sim dos efeitos nefastos que a ilusão pode ocasionar, se ela chegar a ocasionar ao mesmo. E assim deseja as conseqüências agradáveis que a verdade poderia proporcionar (p. 55).

Desta forma ele se pergunta “É a linguagem a expressão adequada para todas as realidades?”. E este seu questionamento está alinhado com a noção de que a realidade que tomamos é uma mera perda de metáforas sem a noção da genealogia que a cerca.

Além destes questionamentos, Nietzsche afirma o seguinte: que o homem esquece da verdade tautológica (que é vazia, portanto) e parte para manipulações fantasiadas do mundo que lhe causam uma sensação de que há um conhecimento, uma verdade. O que faz com que este homem “compre eternamente ilusões por verdades” (p. 55).

A partir deste ponto Nietzsche questiona acerca da linguagem esmiuçando por exemplo o que seria a palavra, como uma corruptela tautológica de termos criados por nós e que julgamos serem estojos de conhecimento. Diz que a cobra por exemplo (no alemão) vem de enrolar-se, e o termo é usado como se fosse uma descoberta a conexão entre uma e outra coisa: quando na verdade uma estará contida tautologicamente na outra.

O exemplo dado da palavra vem justamente para ilustrar o quão enganador é o esquecimento das categorias que nós mesmos criamos. E ainda a multiplicidade de línguas é usada por Nietzsche como argumento para endossar o quanto é arbitrária as nossas delimitações. E delimitações tais que são postas na linguagem.

Em seguida argumenta que a “coisa-em-si” é incaptável para a linguagem e nem importa para tal (isso se a coisa-em-si for uma verdade pura).

Demonstra a seguir o quanto se perde em representações desta coisa-em-si e o quanto esquecemos disto. A coisa é representada por um estímulo cerebral, que é representada por um som em seguida sucessivamente. Assim as representações se perdem. E o homem não nota-se desta perda, mas sim se alimenta desta perda, se enganando. E essa enganação gera uma sensação de verdade, de conhecimento. Assim acreditamos que sabemos das coisas, segundo Nietzsche. (p.55).

Portanto sem a gênese da linguagem e no esquecimento das perdas de sucessivas metáforas, nos distanciamos do que poderia ser realmente uma coisa-em-si.

Assim, é uma invenção, inclusive do filósofo que se põe a falar “telescopicamente” sobre o mundo, e sobre o que julga ser verdade.

Portanto, Nietzsche faz uma importante argumentação em que a generalização, a conceituação, as bases do conhecimento, além de serem uma sequência de perdas entre a coisa real e as nossas metáforas, também é uma generalização baseada na vivência, que despreza as desigualdades individuais entre objetos individuais, tornando-os iguais num conceito. Desta feita, a conceituação parte-se de um movimento de abandono arbitrário das características que individualizam objetos.

Da mesma forma a “honestidade” é encarada por ele como um conceito criado por base neste “abandono arbitrário de desigualdades particulares”, só que relacionada a atos e comportamentos, em prol de deixar ações que são individuais entre si a participar de um conceito, que é uma qualidade criada arbitrariamente, uma “qualitas occulta” (p.56) nas palavras do próprio Nietzsche. A “honestidade” é uma qualidade arbitrária e a moral é um senso enganador criado para a sobrevivência mentirosa de certos animais: humanos.

Portanto esse “impulso à verdade” é uma enganação, e a sensação de se atingir à verdade se dá no esquecimento que estamos a nos enganar quanto a isto tudo. O homem, portanto, forja verdades, e se sente, por meio do esquecimento, como se fosse um “grande habilidoso descobridor” (p. 58). As verdades são forjadas e nos esquecemos como estamos a mentir, isto é para Nietzsche um importante leitmotiv de seu escrito “Sobre verdade e mentira no sentido extramoral”.

Quanto a isso (ao esquecimento e ao forjar descobertas com base em categorias criadas arbitrariamente) as palavras de Nietzsche são claras:

“Como gênio construtivo o homem se eleva, nessa medida, muito acima da abelha: esta constrói com cera, que recolhe da natureza, ele com a matéria muito mais tênue dos conceitos, que antes tem de fabricar a partir de si mesmo. Ele é, aqui, muito admirável – só que não por seu impulso à verdade, ao conhecimento puro das coisas. (…) Se forjo a definição de animal mamífero e em seguida declaro, depois de inspecionar um camelo: ‘Vejam, um animal mamífero’, com isso decerto uma verdade é trazida à luz, mas ela é de valor limitado, quero dizer, é cabalmente antropomórfica e não contém um único ponto que seja ‘verdadeiro em si’, efetivo universalmente válido, sem levar em conta o homem. O pesquisador dessas verdades procura, no fundo, apenas a metamorfose do mundo em homem, luta por um entendimento do mundo como uma coisa à semelhança do homem e conquista, no melhor dos casos, o sentimento de uma assimilação.” (p. 58).

Portanto o homem cria verdades baseadas em si mesmo, são verdades, segundo já explicitado, criadas pelo abandono arbitrário das desigualdades e busca o entendimento do mundo com esse conceitual, com essas ferramentas: uma busca antropomórfica de entender o mundo como a si. Como se fosse o homem detentor dos “gonzos girantes” do universo (p.53). E a sensação, o sentimento de conquista intelectual, de entendimento, acontece com o esquecimento de que forjamos conceitos com base em abandonos arbitrários em prol de uma antropomorfização do universo.

E todo esse movimento que resulta num enganar-se a si mesmo, de centrar-se no universo e de pôr-se como criatura cujo intelecto perscruta todo universo, dá lugar a uma felicidade. Portanto a capacidade de se enganar encerra em si uma felicidade (p. 59).

Nietzsche argumenta que seja racional ou intuitivo, o homem almeja um domínio sobre a vida: e ao fazer isto o homem é feliz. O conhecimento e a verdade apenas torna o homem feliz por se centralizar num universo tão vasto; cuja felicidade, como já explicitado, dá-se pelo auto-engano e por um posterior esquecimento da invenção da verdade e do conhecimento que foi, inclusive, manutenida por uma mentira velada e constantemente esquecida. (p. 60).

E Nietzsche termina dizendo que na infelicidade de se dar conta do engano, é que o homem passa se dar conta de sua pequenez e da insignificância da invenção mentirosa, segundo o mesmo, que o homem perfilou em construir para a sua felicidade e esquecimento. E é agora que pode por-se no lugar natural em que a mentira pôde ser revelada. Mentira tal que a “soberba” invenção tentou pôr em esquecimento.

E é exatamente por estas razões que Nietzsche inicia seu artigo dizendo que há de soberbo e mentiroso na verdade e no conhecimento, inventado como uma mentira voluptuosa e velada, que esquecida, nos deu a sensação de centralidade num universo, sem se dar conta da fugacidade de nossa existência e de como seria tão irrelevante todo este movimento se este ínfimo momento de conhecimento acabasse por completo (perante a toda a natureza).

É, pois, uma denúncia grave ao conhecimento e à verdade: de que são artimanhas enganadoras; o que contradiz o que pensamos constantemente acerca do que a verdade e o conhecimento pode representar.

Mesmo alguém que não esteja de acordo com a argumentação de Nietzsche, é interessante ler o artigo, pois desperta uma dúvida a respeito da obsessão pela verdade e nos deixa mais atentos ao dogma que assumimos a respeito do saber e do conhecer. Não é uma crítica que causa um questionamento trivial: é uma crítica que derruba e destrói a confiança, e consequentemente, a nossa posição confortável de seres pensantes sobre o universo; nos mostra o quanto podemos conformar nossa visão do universo em relação ao nosso antropomorfismo.

É perturbador para o leitor, na melhor dos significados da palavra. E esta perturbação não é ruim. Assim torna-se claro o título que soa um tanto enigmático no início. Torna-se claro do porquê da verdade e mentira posta num sentido extramoral."

COMPARTILHANDO SOMENTE... EXCELENTE ANÁLISE!

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011



Segue uma anedota famosa concernente ao mestre rinzai Ikkyu, que viveu, aproximadamente, há 03 ou 04 séculos.

Ikkyu era, então, um monge muito jovem que vivia num templo zen, onde vivia também seu irmão. Um belo dia, esse último deixou cair no chão uma tigela da cerimônia do chá, que se quebrou; a tigela era ainda ais preciosa porque fora presente do imperador. O chefe do templo admoestou-o severamente, fazendo chorar o mongezinho.

Ikkyu, todavia, recomendou-lhe que não se preocupasse:

- Tenho sabedoria. Posso encontrar uma solução.

Juntou os pedaços da cerâmica, colocou-os na manga do seu kolomo e foi descansar no jardim do templo, enquanto esperava, pachorrento, o regresso do mestre. Tanto que o avistou, foi ao seu encontro e propôs-lhe um mondo:

- Mestre, os homens nascidos neste mundo morrem ou não morrem?

- Morrem, decerto - respondeu o mestre. - O próprio Buda morreu.

- Compreendo - volveu Ikkyu - , mas no que respeita às outras existências, os minerais ou objetos também estão destinados a morrer?

- É claro! - reponde o mestre - Todas as coisas que têm forma devem morrer necessariamente, quando surge o momento.

- Compreendo - disse Ikkyu. - Em suma, como tudo é perecível, não deveríamos precisar chorar nem lastimar o que já não existe, nem sequer zangar-nos com o destino.

- Está visto que não! Aonde queres chegar? - inquiriu o mestre.

Ikkyu tirou da manga do kolomo os destroços da tigela, que apresentou ao mestre. Este ficou boquiaberto.



(conto retirado de Contos Zen)



Não há duvidas que uma das maiores frases de todos os tempos foi aquela proferida por Sócrates: “Tudo o que sei é que nada sei”.

Em uma única tacada, o filósofo grego passou várias mensagens. A primeira é que a vida, na maior parte do tempo, é incerta. A segunda é que o conhecimento aumenta em larga escala, e quanto mais aprendemos mais percebemos o quanto falta aprender. E a terceira é um enorme exemplo de humildade, pois ele era o homem mais sábio de sua época.

Ele construiu a metáfora de que o conhecimento forma uma espécie de halo luminoso em torno da cabeça da pessoa. Quanto mais aprendemos mais este halo cresce, o que é bom, mas, por outro lado, mais aumenta sua superfície de contato com a escuridão, que simboliza a ignorância. Então, quanto mais aprendemos mais percebemos o quanto há, ainda, para se aprender. É uma bela imagem simbólica, que me faz pensar naqueles que acham que já sabem tudo. Você conhece alguém assim, dono das verdades e das certezas? O mundo anda cheio deles. Nos dois sentidos.

Voltando a Sócrates, vale a pena lembrar que ele viveu no século cinco antes de cristo. Imagine o que ele diria hoje, em plena sociedade do conhecimento, da informação, da velocidade e da transformação. Pena que Sócrates não conheceu as universidades, as bibliotecas e a Internet. Ponho-me a imaginar como seria seu blog. Provavelmente cheio de perguntas, pois ele odiava as respostas e sempre respondia uma pergunta com outra, criando uma espiral crescente de construção do conhecimento.

Digamos que você lhe perguntasse, através de e-mail: “Sábio Sócrates, o que fazer para conviver com essa sensação de insegurança neste mundo tão cheio de incertezas?” Ele provavelmente responderia algo como: “Meu jovem, você devia perguntar ao velho Heráclito. Por que você acha que ele disse que não dá para tomar banho no mesmo rio duas vezes? E não me chame de sábio, pois só sei que nada sei”. E daria um send certo de que tinha te oferecido elementos para reflexão. Não deu a resposta, mas sinalizou o caminho para encontrá-la, o que é muito melhor.

Heráclito, que morreu um ano antes de Sócrates nascer, é considerado um filosofo obscuro, enigmático. Dele sabemos que desprezava a política e a religião, e acabou por isolar-se da sociedade para viver como um eremita. Antes, porém, ele nos legou sua mais famosa frase: “Tudo flui”, disse ele, e arrematou: “Não é possível banhar-se duas vezes no mesmo rio”. Faz sentido. Se você toma banho em um rio hoje, amanhã notará que aquela água já passou, agora é outra. E você também mudou, é outra pessoa. Dizem que essa frase representava a angustia do filósofo diante da velocidade das mudanças. Imagine o que ele diria hoje…

O princípio da incerteza

Sim, vivemos em um mundo paradoxal. Se, por um lado, pertencemos a uma sociedade que usufrui dos confortos da ciência e da tecnologia, por outro nos sentimos desconfortáveis com a sensação de impermanência. Tudo muda e com velocidade crescente, já sabemos disso. E não temos o que fazer a não ser acompanhar as mudanças e nos adaptarmos a elas. OK, até aqui, tudo bem. Já nos acostumamos às guinadas da economia, da política, dos modelos de negócio e das tecnologias emergentes. Mas há algo neste admirável mundo novo que incomoda um pouco: a incerteza e a sensação de insegurança que ela causa.

Nosso instinto pede segurança. É a segunda necessidade, só antecedida pelas necessidades fisiológicas. Depois nos preocuparemos com outras necessidades, como as emocionais e as intelectuais. Queremos nos manter vivos, por isso a opção pelo lugar seguro, sem surpresas. Sim, mas o que não podemos fazer é fingir que vivemos na época de nossos avós, quando as notícias vinham pelo Repórter Esso, ligações interurbanas só podiam ser feitas da companhia telefônica e andava-se de bonde pela Avenida Paulista. Era um tempo sem sobressaltos, mas que para qualquer um de nós que conhecemos o século XXI seria de uma monotonia mortal.

Hoje vivemos o mundo das possibilidades. Acelerado, inconstante, estressante, sim, mas continua sendo o mundo das possibilidades, basta que estejamos atentos. Em cada mudança há um lado favorável, só que nosso instinto de preservação vê, em primeiro lugar, o perigo. Portanto, muita calma nessa hora. É preciso colocar a bola no chão e avaliar os melhores lances.

O que não dá é para ter tudo sob controle. No começo do século passado o cientista alemão Werner Heisenberg enunciou seu Principio da incerteza, um conceito da física quântica que diz que “É impossível conhecer-se a velocidade e a posição de uma partícula atômica ao mesmo tempo”. Ele tinha que optar pela informação que lhe parecia mais relevante naquele momento, e mesmo assim ele ajudou a construir a física quântica.

Assim é a vida como ela é. Incerta. E será cada vez mais. O que nos resta é encontrar os meios de sobrevivência, e estes são fornecidos pelo encontro de competências pesadas com espírito leve. Como assim? Ora, temos que nos preparar cada vez mais, investindo em novos conhecimentos, habilidades crescentes e atitudes adequadas, tudo isso embrulhado no fino papel da tranqüilidade.

Resistência e flexibilidade

Sobre esse assunto, minha estagiária Celeste, que tem uma sabedoria emergente porque é uma jovem perspicaz que não se contenta com o superficial, me contou uma história de sua vida de estudante quando estava no ensino médio. No laboratório de biologia, os alunos fizeram a seguinte experiência: colocaram um osso de galinha no vinagre e outro no fogo. A conseqüência foi que o osso colocado no vinagre perdeu cálcio, e com isso ficou mole, incapaz de se sustentar. O que foi levado ao fogo perdeu colágeno, e se quebrou com facilidade. Os jovens então perceberam que o osso é feito para ser flexível e resistente ao mesmo tempo, por isso nos dá proteção e movimento. Assim temos que ser, para suportar o calor das exigências crescentes e a corrosão das mudanças freqüentes.

Talvez em outro e-mail, Sócrates nos dissesse: “Conhece-te a ti mesmo, meu filho”, mas como um filósofo agora pós-moderno, é provável que ele acrescentasse: “E aproveita para fazer um SWOT pessoal, analisando as ameaças e a oportunidades deste momento, e também tuas forças e fraquezas. Controla as ameaças, aproveita as oportunidades, corrige tuas fraquezas e aumenta ainda mais teus pontos fortes, pois é a partir deles que você vai se diferenciar”. E, dito isso, provavelmente ele voltasse a fazer o que o tornou singular: ser o grande crítico de sua época, sem revolta, mas com sabedoria e atitude.

FONTE: Revista Nextel nº31, 01/05/2009, por Eugênio Mussak ; Um mundo impermanente

http://www.sapiensapiens.com.br/um-mundo-impermanente/

 

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