quinta-feira, 28 de janeiro de 2010


Houve um tempo em que o mundo dos Legionários de Cristo era simples. De um lado, uma congregação católica em plena ascensão, fundada em 1941 por um homem excepcional - um "santo", acreditavam muitos legionários -, que havia ganho a confiança de diversos papas. Do outro, os inimigos da Igreja, determinados a destruir com calúnias a reputação e a obra do criador, o padre mexicano Marcial Maciel.Durante meio século, esse discurso foi um escudo eficaz. Implantada em 22 países, a congregação dos Legionários forneceu à Igreja mais de 800 padres (95 dos quais ainda foram ordenados dia 12 de dezembro em Roma), possui 2.500 seminaristas, conta com um apostolado de 60 mil laicos, administra 200 escolas e universidades, movimenta um orçamento anual de US$ 650 milhões.Mas ela atravessa hoje uma crise muito grave, que poderá comprometer a imagem de seu principal protetor, o papa João Paulo 2º, que deve ser beatificado este ano. Ainda dominante quando os Legionários haviam aberto suas portas ao mundo, no início de 2006, o perfil de Marcial Maciel sumiu de seu website, exceto pela seção "história". Não se cogita mais tê-lo como modelo para a juventude, como João Paulo 2º fizera em 1994.


No início de fevereiro de 2009, o "New York Times" revelou que o Padre Maciel, falecido um ano antes aos 87 anos, havia levado uma "vida dupla" e gerado "pelo menos" uma filha, que mora em Madri. No fim de agosto, soube-se da existência de três filhos mexicanos, nascidos de uma outra mãe, mas que tinham contato com sua meia-irmã. Além disso, Maciel teria tido um filho no Reino Unido, bem como uma filha francesa, morta em um acidente de carro. Em meados de dezembro, surgia a notícia de que ele também seria um plagiador.Nenhuma dessas informações foi desmentida pelos Legionários, que se esforçaram para abafar os seguidos choques. Mas o mal-estar foi proporcional ao silêncio imposto por tanto tempo: por meio de um "voto especial", retirado somente em 2006, os padres dos Legionários eram proibidos de criticar seus superiores."Era uma espécie de pacto mafioso", afirma o sociólogo e psicanalista mexicano Fernando Gonzalez, autor de dois livros sobre o "caso Maciel", para os quais ele pôde consultar 201 documentos dos arquivos secretos do Vaticano, datados de 1948 a 2004. "Hoje, os Legionários devem confessar a parte heterossexual de seu fundador, por não ter reconhecido os abusos pederásticos". Pois nessa demolição progressiva de uma figura paternal outrora venerada, o pior sem dúvida está por vir.Se os atuais dirigentes da congregação ainda esperam extirpar o tumor da forma mais limpa possível, parte da hierarquia católica não mede suas palavras, sobretudo nos países marcados por escândalos eclesiásticos, como a Irlanda ou os Estados Unidos. Para o arcebispo de Baltimore, Edwin O'Brien, Maciel é um "empresário genial que, com vigarices sistemáticas, se utilizou da fé para manipular os outros em função de seus interesses egoístas".Em maio de 2009, o Vaticano nomeou uma comissão de investigação, composta por três bispos e dois outros religiosos, entre os quais um jesuíta. Uma primeira "visita apostólica", em 1956, deveria examinar o vício em drogas de Maciel, mas também os abusos sexuais cometidos sobre os noviços. Ela havia terminado em uma espécie de arquivamento, que por muito tempo impediu qualquer denúncia pública, ainda que o principal investigador tenha manifestado suas desconfianças em um relatório confidencial. "Todos nós mentimos", confessou mais tarde Felix Alarcon, um dos adolescentes entrevistados na época, para salvar "um padre que adorávamos", e que eles tinham como "acima da Igreja", revela um de seus colegas. A exuberante atividade heterossexual do fundador dos Legionários semeou outros espinhos. Seus três filhos mexicanos (33, 29 e 17 anos), bem como a meia-irmã deles, Norma Hilda, 23, às vezes viajavam com seu pai - e até o acompanharam no Vaticano! -, que lhes escrevia sob um nome falso cartas carinhosas e cheias de erros, em papel timbrado de hotéis do mundo inteiro, para se desculpar por ser um "homem de negócios" tão ocupado. Hoje, eles pedem aos Legionários por um reconhecimento oficial, mas também por parte de sua herança.O que teria acontecido, por exemplo, com o fideicomisso (testamento por meio de um terceiro) que Maciel teria criado para eles na Suíça, e sobre o qual ele tivera o cuidado de falar? "Os Legionários somente lhes mostraram os documentos de uma conta nas Bahamas, que está vazia", ressalta o advogado dos filhos mexicanos, José Bonilla, durante uma entrevista recente no México para o "Le Monde". Para José Barba, um ex-legionário que em 1998 prestou, junto com outras sete vítimas, uma queixa perante o Vaticano, é preciso se questionar sobre "a passividade da Igreja, e as estruturas que permitiram que esses abusos se perpetuassem por tanto tempo: agora dizem que Maciel era um monstro, ao mesmo tempo em que sugerem que os Legionários têm um grande futuro".Quem é esse homem que conseguiu levar, bem no coração do catolicismo, a vida desregrada de um astro do rock? Nascido em uma família antiga do Michoacán - seu tio materno, Jesús Degollado, foi general dos Cristeros, os insurgentes que tomaram as armas, de 1926 a 1929, contra o governo mexicano "jacobino" -, ele usava de sua sedução tanto junto a garotos sujeitos à disciplina da instituição, como junto a viúvas ricas de quem extorquiu fortunas para financiar suas obras.Segundo uma fonte próxima do Vaticano, trata-se de um caso patológico de distúrbio de personalidade. Maciel certamente fora violentado na infância, e fingia ter amnésia diante de suas vítimas. Mas o psicanalista Fernando Gonzalez não acredita em uma esquizofrenia: "Ele era um calculista malicioso que se adaptava perfeitamente a cada situação".Em um ambiente de repressão sexual extrema, ele se valia de suas "dores no fígado" - na verdade, uma inflamação crônica da próstata - para obter dos meninos o "alívio" proporcionado por injeções de morfina, mas também por masturbações ou penetrações. Para isso, ele garantia ter uma "permissão especial do papa". E no final ele não hesitava em absolvê-los do pecado ao qual ele acabava de incitá-los. Ora, a "absolutio complicis", ou absolvição do cúmplice, é uma grave infração do direito canônico, punida com excomunhão.Desde a ruidosa investigação em 1997 do jornal mexicano "La Jornada" e o "El Legionario", livro de Alejandro Espinosa, sobrinho e efebo de Maciel, vários livros trataram dessa personalidade diabólica, capaz de celebrar uma magnífica missa na capela, saindo da enfermaria onde o "santo" acabara de manipular os corpos e as almas na penumbra. "Nós éramos um arquipélago de solidões", escreve José Barba, evocando o longo sofrimento daqueles que sofreram abusos. Um dos filhos de Maciel tem dificuldade para superar: quando era criança, seu pai lhe repetia que era essencial não mentir.



Tradução Lana Lim

Fonte: UOL

Quando li esta matéria já estava ciente de muitos boatos. Acho esta matéria muito tendenciosa e direi porque.

Primeiramente aprendi a duras penas que quando você joga um travesseiro de plumas ao vento jamais conseguirá juntar pena por pena... Isto é, quando um fato surge dificilmente se detém ao fato isoladamente, sempre haverá a imaginação, a falta de bom senso e o falatório sobre determinado fato.

Lembrando para quem se esqueceu e ensinando para quem não sabe o falso testemunho deixa marcas eternas e por isso viver na verdade por mais que doa deve ser o caminho de qualquer pessoa.

As ofensas à verdade são:

1-O Falso testemunho e o perjúrio:

Quando se emite publicamente algo contrário à verdade, diante de um tribunal, é falso testemunho e quando se está sob juramento, é perjúrio. Isso pode contribuir para condenar injustamente um inocente ou inocentar o culpado. Prejudica o exercício da justiça pronunciada pelos juizes.

Respeito à reputação das pessoas:

É proibido qualquer atitude e palavra que cause um prejuízo injusto. Torna-se culpado:

2- De juízo temerário (imprudente):

Aquele que, secretamente, admite como verdadeiro, sem razão alguma, o defeito moral do próximo.

3- De malediscência:

Aquele que, sem razão válida, revela as pessoas que não sabem os defeitos do próximo e suas faltas.

4- De calúnia:

Aquele que, pela mentira, prejudica a reputação dos outros e causa falsos juízos a respeito deles. Para não cairmos no juízo temerário (julgar sem medir as conseqüências), temos que interpretar de modo favorável tanto quanto possível o pensamento, atos e palavras do próximo.

5- Malediscência e calúnia:

Mancham a reputação e a honra do próximo. Todos têm direito à honra do próprio nome, à sua reputação e ao seu respeito. Logo, a malediscência e a calúnia ferem as virtudes da justiça e da caridade.

6- Adulação, bajulação ou complacência:

Deve-se tomar muito cuidado com atos ou palavras que, por (bajulação), confirme e encoraje o outro na malícia de seus atos e perversidade. Adulação é falta grave quando cúmplice de vícios ou de pecados graves. Se torna um pecado venial, quando só quer ser agradável, evitar um mal, remediar uma necessidade, obter vantagens legítimas.

7- A jactância ou fanfarronice:

É uma falta grave contra a verdade e o mesmo vale para a ironia que é depreciar alguém caricaturando, de modo malélovo, seu comportamento.

8- A mentira:

É dizer o que é falso com a intenção de enganar. A mentira torna-se mortal, embora seja um pecado venial em si, quando fere gravemente as virtudes da justiça e da caridade. Sua punição varia de acordo com as circunstâncias, a intenção do mentiroso, as conseqüências sofridas por suas vítimas.

A mentira é uma profanação da palavra que tem como finalidade levar a verdade a outros e é condenável em sua natureza. Quando induzimos o próximo, através da mentira, a um erro estamos cometendo uma falta grave contra a justiça e a caridade. A culpa é maior ainda, quando a intenção é de enganar. Causa a morte para aqueles que são desviados da verdade.

A mentira é uma verdadeira violência ao próximo porque o impede de obter a capacidade conhecer, que é a condição de todo o juízo e decisão. Ela mina a confiança entre os homens e rompe o tecido das relações sociais.

Toda falta contra a justiça e a verdade impõe uma reparação, mesmo após o perdão. Não podendo reparar um erro publicamente, deve-se fazê-lo em segredo; se aquele que sofreu o prejuízo não puder ser indenizado, deve-se dar-lhe satisfação moral, em nome da caridade. Isso também é válido para as faltas cometidas contra a reputação dos homens.

Diante esta pequena lembrança deixo-vos com a seguintes perguntas e reflexões:

1 - Sabemos (eu vivi isso, vivo isso) que diante um fato se aumenta a proporção de qualquer acontecimento. As pessoas aumentam, inventam !!!!!

2 - Ele foi um homem como qualquer um e passível de erros. QUAL O PROBLEMA?

3 - E sua obra? O que ele deixou? Não há mérito nenhum nisso? Quer dizer que seja o que for que você tenha feito de bom se cair nada mais "presta", isto é, tudo é anulado?

4 - O mais importante: NÃO JULGUEIS E OLHEM SUAS PRÓPRIAS VIDAS ANTES DE FALAR DE QUALQUER UM, POIS O MAIOR PECADO ANTES DE TUDO É O ÓDIO E A INVEJA.

SEM MAIS.... REFLITAM... NINGUÉM É DONO DA VERDADE E PELO JEITO NÃO GOSTAM DE VIVER COM ELA....

Christiane.







terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Normose: Uma fábrica de clichês


Boa parte dos normóticos está limitada pela identificação corporal. Não possuem a consciência de que é justamente esse tipo de limitação sem fundamento que os mantém longe de qualquer possibilidade de estados alterados de consciência. O normótico, quando não há nada para fazer, pensa em todas as possibilidades de atividades, menos, tentar se sentar e experiênciar o Ser; é alguém que sofreu a ferroada do não ser, a dor de uma vida não vivida, das estradas não exploradas, dos riscos não sofridos, das pessoas não amadas, dos pensamentos não realizados e dos sentimentos não apreciados. Sua normose é fruto do resultado do pecado da omissão. É alguém que passa muito de seu tempo se iludindo, deliberadamente, criando álibis para encobrir suas fraquezas e que não possui a consciência de que se utilizasse seu tempo de maneira diferente, esse mesmo tempo seria suficiente para curar seus defeitos de caráter e imperfeições, de modo que então não seriam necessários os álibis.

O normótico vive principalmente para si próprio e sua família. Em raríssimos casos existe qualquer visão mais elevada do que essa. Poucos são capazes até mesmo de dar um olhar em direção aos pedintes que vem em sua direção nas paradas do trânsito. Quase toda sua experiência é a de viver para si mesmo e sua família, com apenas um minúsculo fragmento deixado para os outros.

Quanto a mensagens de cunho espiritual, as rejeita por medo de que suas verdades possam lhe convencer e ter, então, de abandonar seu modo de vida disfuncional com suas conseqüentes zonas de conforto. Devido a esse tipo de medo, vive sob a custódia de uma elite dominante da mesma forma como o gado está sob os cuidados dos boiadeiros. Não raro são às vezes em que se obriga a fazer coisas das quais se envergonha, alegando quando descoberto, que está cumprindo com o seu dever; é um ser que sofre devido à alienação e desconexão com o Ser que o faz ser. Em nome da aceitação condicionada por parte das pessoas significativas de sua vida, negligencia a si mesmo, abandonando-se e fechando-se para o mundo devido ao medo de ser exposto à vergonha tóxica e a dor da solidão, tendo como resultado dessa atitude, o desenvolvimento da incapacidade de amar de forma incondicional.

O normótico é aquele que se conforma em ouvir sobre Deus, rezar para Deus e pela espera de um encontro com Deus no próximo mundo: alguém que não consegue sair da crença para ousar pela busca da experiência. Não tem a percepção espiritual, que torna Deus uma realidade demonstrável; está convencido de que Deus é uma necessidade, mas ainda não está convencido de Deus. Prefere se agarrar na concepção oriunda da experiência pessoal de Deus vinda de terceiros. Vive preso a um ciclo compulsivo de hábitos, comportamentos e relacionamentos profissionais e/ou afetivos mesmo que seus prazos de validade estejam vencidos e repetidamente se mostrando disfuncionais. Sua falta de sinceridade para consigo mesmo é uma das maiores e mais potentes barreiras do processo de vir-a-ser. A insinceridade corrói a integridade de sua Alma e destrói o fortalecimento da razão. Vive aprisionado a um modismo social que determina um comportamento padronizado dentro de uma sociedade mecanicamente padronizada e com isso, autoboicota todo seu potencial criativo. Se ao menos soubesse da existência de um estilo de vida imensamente mais rico e profundo do que toda essa existência apressada - dotada de serenidade, paz e poder, sem pressa - se soubesse como a vida interior é realmente poderosa, não hesitaria nem um instante em abandonar todas as coisas que barram seu caminho para ir em direção a ela e assim constatar por si mesmo, que tudo aquilo que a normose tem para lhe oferecer para beber é tão somente um copo d´água salgada, cujo propósito é o de lhe deixar ainda mais sedento.

Normose




Lendo uma entrevista do professor Hermógenes, 86 anos, considerado o fundador da ioga no Brasil, ouvi uma palavra inventada por ele que me pareceu muito procedente: ele disse que o ser humano está sofrendo de normose, a doença de ser normal.

Todo mundo quer se encaixar num padrão. Só que o padrão propagado não é exatamente fácil de alcançar. O sujeito "normal" é magro, alegre, belo, sociável, e bem-sucedido. Quem não se “normaliza" acaba adoecendo. A angústia de não ser o que os outros esperam de nós gera bulimias, depressões, síndromes do pânico e outras manifestações de não enquadramento. A pergunta a ser feita é: quem espera o que de nós?

Quem são esses ditadores de comportamento a quem estamos outorgando tanto poder sobre nossas vidas? Eles não existem. Nenhum João, Zé ou Ana bate à sua porta exigindo que você seja assim ou assado. Quem nos exige é uma coletividade abstrata que ganha "presença" através de modelos de comportamento amplamente divulgados. Só que não existe lei que obrigue você a ser do mesmo jeito que todos, sejam lá quem for todos. Melhor se preocupar em ser você mesmo. A normose não é brincadeira.

Ela estimula a inveja, a auto-depreciação e a ânsia de querer o que não se precisa. Você precisa dequantos pares de sapato? Comparecer em quantas festas por mês? Pesar quantos quilos até o verão chegar? Não é necessário fazer curso de nada para aprender a se desapegar de exigências fictícias. Um pouco de auto-estima basta. Pense nas pessoas que você mais admira: não são as que seguem todas as regras bovinamente, e sim aquelas que desenvolveram personalidade própria e arcaram com os riscos de viver uma vida a seu modo. Criaram o seu "normal" e jogaram fora a fórmula, não patentearam, não passaram adiante. O normal de cada um tem que ser original. Não adianta querer tomar para si as ilusões e desejos dos outros. É fraude. E uma vida fraudulenta faz sofrer demais.

Eu não sou filiada, seguidora, fiel, ou discípula de nenhuma religião ou crença, mas simpatizo cada vez mais com quem nos ajuda a remover obstáculos mentais e emocionais, e a viver de forma mais íntegra, simples e sincera. Por isso divulgo o alerta: a normose está doutrinando erradamente muitos homens e mulheres que poderiam se quisessem ser bem mais autênticos e felizes.


Fonte: 05.08.07-Jornal Zero Hora-P.Alegre-RS - Por: Martha Medeiros

Imagem: http://lh3.ggpht.com/_4Cj2S6Slhw8/Sb2vE8Q6mjI/AAAAAAAABlc/lyc5tNqp-yc/s400/lapidando.JPG


ATENÇÃO: A responsabilidade deste artigo é exclusiva de seu respectivo autor (fonte).

Uma doença chamada “normose”




Antes que você comece a ler este texto, nosso convite é:
que tal a "anormalidade"? - Turma Doce Limão

Por Prof. Hermógenes *

O mundo “normal” nos atrai. Enquanto atrai, nos distrai.

E porque nos distrai, nos trai. Se nos deixamos trair, ele nos destrói.

É hora de despertar!

Sinceramente: ”Deus me livre de ser normal”.

Desde que comecei a caminhar no Yoga venho conseguindo manter uma bendita e invejável “anormalidade”. Eu já fui “normal” e não tenho saudades.

Venho estendendo meu convite a todos para que comecem a sua “desnormalização”. E, este meu convite é uma expressão de amor ao homo sapiens, à minha espécie.

Será absurdo clamar aos homens e mulheres desta sacrificada, caótica, amoral, violenta, injusta, vazia, entediada, poluída, cruel, amalucada e decadente sociedade em que vivemos que tomem consciência, e não mais continuem a submeter-se inconscientemente a esta lógica, obsedante e patológica “normalidade”?

Será estranho o meu clamor aos acomodados ou rendidos que se rebelem e se libertem?

Será mesmo descabido a proposta de uma terapia que pretenda curar esta doença que vem sendo chamada “normalidade”, "normose"?

O homem “normal” é um doente!

Quando se diz “em terra de cego quem tem um olho é rei”, está se dizendo que a cegueira é o “normal”. Nesse caso, o “anormal”, aquele que vê, é bastante melhor, tanto que pode ser o “rei”.

Há décadas, o Papa Paulo VI diagnosticou a sociedade de seu tempo, dizendo: “O mundo está doente”. Você contesta? Ou constata?

Considerando somente as aparências, isto é, aquilo que a mídia (imprensa, rádio e TV) fez aparecer, o mundo parece estar em acelerada degradação, parecendo um filme de terror, escorregando para a tragédia. Visando vender para os “normóticos”, para a massa ignorante (que ignora e faz tudo para seguir ignorando), desprovida de discernimento – e, sem dúvida, padecendo de acentuado distúrbio sadomasoquista, que se deleita no consumo de notícias mórbidas, de sujeira, crueldade e pavor -, os grandes veículos se aprimoram em acentuar as tintas negras, os sintomas alarmantes, ao dar publicidade predominante ao lado enfermiço da humanidade.

E não é somente a imprensa que vende tais aspectos e componentes trágicos, doentes e poluídos da sociedade humana; a sub-arte também. Cinema, fitas de vídeo, novelas, casas de espetáculo exageram os aspectos chocantes, aberrantes, teratológicos (estudo das monstruosidades), mórbidos, poluentes e sórdidos das vidas de homens e mulheres.

E os alimentos? A propaganda infantil é a mais cruel de todas, porque já incentiva ao consumo de alimentos que danifica seus corpos, cérebros e mentes.

Os teóricos argumentam que isto é a realidade e é assim que deve ser mostrada. O que é assim não é a realidade, mas apenas um setor da sociedade, aquele que alguns irresponsavelmente acham de vitrinizar. Alguma parte da sociedade é de gente boa, equilibrada, sadia, espiritualmente nobre e bonita ("anormais"), mas alguns obsessivamente fazem questão de ignorar.

Quantas pessoas e instituições sociais, mantendo-se com enormes sacrifícios, se devotam à prestação de generoso serviço, a distribuir caridade, a cultivar espiritualidade, a manifestar amor, a anunciar a luz, a propor a paz…?

Um diagnóstico correto não pode ser parcial.

Tudo que existe é assim com seus dois pólos. No entanto, enquanto os abutres só conseguem se interessar pela carniça, as abelhas são atraídas somente pela beleza, doçura e fragrância das flores. Aos que não vêem a não ser o lado mórbido das coisas, um convite: dialoguem com as abelhas. A sociedade está doente pela hipertrofia de seu lado abutre com simultânea atrofia de seu lado abelha (assim já falava Sócrates). Há treva e luz, e não somente treva. Há ódio. Por que não o amor? Há violência, mas também há caridade Há corrupção, mas honestidade não falta.

Por que somente o diagnóstico negro?

A maioria imensa da humanidade é formada pelos “normóticos”, que desfrutam o tempo e o espaço cultural, e aí está a doença.

A minoria dos curados de uma enfermidade chamada “normose” não pode continuar sendo esquecida. É verdade que a humanidade está enferma, e está exatamente pelo predomínio e pela ação dos medíocres e ignorantes que a integram (porque assim decidiram, "normoticamente").

É inadiável curar a “normose” da humanidade. E isto deve começar pela “desnormalização” de cada pessoa, o que requer, indispensavelmente, empenho e esforço pessoal depois de feita a opção por uma disciplina inteligente, por uma vigilância contínua e por jubiloso auto-sacrifício do ego no altar do Divino.

De minhas observações durante tanto tempo, fiz levantamentos dos sintomas que, com maior freqüência, os “normóticos” apresentam. A lista não é completa e nem um “normótico” qualquer tem de ter todos estes sintomas. Não pretendo que este inventário seja perfeito. Quando alguém conseguir inventar um “normômetro” (aparelho capaz de medir a “normalidade” de uma pessoa), prestará um serviço inapreciável à Medicina Holística, para diagnosticar a “normose”.

Os “normóticos” têm reduzidas a juventude e a vida. As doenças degenerativas apressam a se manifestar antes do tempo. E ainda é motivado por distresse. Desprovido de um motivo, elevado, sublime e nobre para viver, desde que seus objetivos são mesquinhos e imediatistas, o “normótico” desconhece o que seja equanimidade, sobriedade, serenidade e paz. São fáceis vitimas dos opostos-de-existência. (Bi-Polares) Oscilam, indefesos e inconscientes, como folhas ao vento, sem repouso e sem destino. Numa hora, festejam ruidosa e às vezes alcoolicamente uma fugaz vitória ou uma aquisição furtiva. Noutra, se deprimem e lamentam, quando alcançados por um imposto despojamento de algo que não resistiria ao tempo. A “normalidade” dominante ensinou o “normótico” a lutar até exaurir-se e a usar todos os meios (até, quando preciso, os sujos) na convicção pouco inteligente de “ganhar ou… ganhar". Eles repelem a abnegação, a renúncia, a aceitação (adulta, madura) do inevitável (da realidade).

Desconhecendo o por que e para que viver, o “normótico”, é uma carta depositada no correio, na qual falta indicação do destinatário e do remetente. É uma carta que foi escrita inutilmente. Seu destino só pode ser a posta-restante.

Vivendo na superfície de si mesmo, o “normótico” age sob motivações que, em alguns casos, são bem tipicamente animais: comer (qualquer coisa goela abaixo), beber, defender-se, gozar e transar. Não cultiva (portanto não colhe) valores tipicamente humanos: verdade (ou veracidade); retidão; paz; amor (universal e puro); e não-violência. Sai Baba disse que a constatação “eu sou um ser humano” é apenas a metade da verdade. A outra metade é poder dizer: “eu sou anormal”.

O “normótico” é um consumista obsessivo. Compra o que "precisa", o inútil. O que ele não pode é resistir às manobras da publicidade e do marketing. Ele sofre da síndrome de “aquisitite”. Para seguir comprando, comprando, gasta e se desgasta ansiosamente, obsessivamente.

Com a palavra “mesmismo” Erich Fromm denominou o fenômeno de cada um precisar se parecer com o outro. O “normótico” calça os mesmos tênis, veste as mesmas calças, bebe os mesmos refrigerantes, fuma as mesmas marcas, se fanatiza pelos mesmos ídolos populares, curte as mesmas músicas, demonstra, com isto, que sua segurança está em “ser normal”; falta-lhe a salvadora coragem de ser "anormal". Quanto mais “normótico”, mais submisso aos modelos da normalidade e imediatismo. Esta tendência a entregar-se indefeso e inconsciente à robotização orquestrada pela propaganda massifica-o, esvazia-o. E é ainda pior quando se fanatiza por movimentos, líderes, seitas etc.

Porque nem imagina quanto o amor e a felicidade nos completam, o “normótico” confunde os simples desvarios sexuais (mero atrito, zero afeto e amor) com ser feliz. E o sentimento de posse do outro e o ciúme, que são apego-dependência, ele confunde com amor.

Na ânsia por uma mal-entendida liberdade, certos “normóticos” neuróticos confundem o ser feliz com o ser devasso, “assumido”, “liberado”, e se sentem à vontade em “curtir um barato”, embora depois recaiam trágicas conseqüências sobre ele: escravidão ao traficante (marcas), AIDS, demência. Ao que não sabe o que é a verdadeira liberdade, eu lembraria que é a capacidade de não fazer aquilo que não se quer ou que se precisa não fazer (o coração decidiu). Não é o fazer aquilo que se deseja fazer. Muitos jovens, confundindo a liberdade com outra coisa, às vezes rompem com violência seus vínculos com o lar, e se entregam a uma aventura, que, a principio, pode até ser uma aventura, mas inevitavelmente acaba em desventura.

Há uma forma “normóide” de exercer poder político, econômico e social, na qual o “normótico” sempre tira proveito pessoal, indiferente à dor, à miséria, à injustiça que impõe às multidões de infelizes. Calígulas e Neros de gravata, os “normóticos” poderosos são pragas a fazer muitas vítimas.

Toda a minha literatura tem sido voltada para alertar os “normóticos”, convidando-os para dar uma guinada no rumo da verdadeira paz, do amor bem-aventurado, no rumo da sabedoria que liberta, da saúde, da alegria pura, da "anormalidade", finalmente da vida abundante.

* Dr. José Hermógenes de Andrade Filho (Natal/RN, 9 de março de 1921), é escritor, professor e divulgador brasileiro de hatha yoga. Doutorado em Yogaterapia pelo World Development Parliament da Índia e Dr. Honoris Causa pela Open University for Complementary Medicine. Recebeu a Medalha de Integração Nacional de Ciências da Saúde e o Diploma d’Onore no IX Congresso Internacional de Parapsicologia, Psicotrónica e Psiquiatria (Milão, 1977). Eleito o Cidadão da Paz do Rio de Janeiro, em 1988, e a Medalha Tiradentes em 2000. A premiação foi conferida pela Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, pelo bem-estar e benefícios à saúde que suas obras levam para os brasileiros. É fundador da Academia Hermógenes de Yoga.

FONTE:

http://www.docelimao.com.br/site/terapia-do-riso/o-conceito/873-uma-doenca-chamada-normose.html

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010


FONTE: http://edsongil.wordpress.com/2009/04/29/a-cama-onde-cresce-a-solidao-das-mulheres-livres/



"Debaixo dos cobertores"


por LUIZ FELIPE PONDÉ

SE VOCÊ for convidar uma colega de trabalho para sair, melhor pedir a seu advogado para ligar para o advogado dela, pois “desejo é poder”. Nos EUA, órgãos especializados em assédio sexual em universidades são tão comuns quanto baratas em casas sujas. Políticas públicas podem causar efeitos colaterais nefastos. E as coisas só pioram com a epidemia de políticas públicas, marca de uma democracia cada vez mais maníaca por regular a respiração de seus súditos.

Há uma relação invisível entre os mecanismos modernos de controle e a paranoia. Paranoicos detestam a liberdade porque ela é incontrolável e promíscua.

Desde o utilitarista Jeremy Bentham (século 18) e seu panóptico (máquina para vigiar prisioneiros), os governos sonham com o controle “benéfico” do comportamento moral da coisa pública (res publica) via mecanismos de vigilância contínua.

Dizia o sociólogo Robert Nisbet (século 20): é uma ilusão supor uma vocação evidente da república para a liberdade. Quanto mais moral ela for, mais totalitária ela será. Ainda Nisbet: os especialistas, com suas visões sectárias e pouco isentas, são agentes de destruição da liberdade quando se fazem oráculos. Nas ciências humanas, temperamentos e ressentimentos determinam a escolha de objetos e teorias.

Respiramos a “politização do amor”. Grande parte dos oráculos das políticas do amor é gay ou feminista. Os gays têm pouco interesse (por razões óbvias) nos efeitos colaterais de sua “ciência” do amor sobre o cotidiano miúdo dos homens que amam mulheres. Quanto as feministas, quando não são também homossexuais, se mostram, muitas vezes, rancorosas e repetitivas: do que trata “Hamlet”? Opressão da mulher. E a Bíblia? Idem. E adivinhe qual a questão no Pato Donald?

O argumento (feministas são rancorosas), nada científico, é usado pelas próprias mulheres cansadas das feministas neandertais que ignoram as agonias das mulheres já livres.

Já nos anos 70, feministas como as do grupo de Taipe afirmavam que apenas lésbicas seriam de fato mulheres emancipadas, porque as heterossexuais seriam oprimidas pelo desejo que sentem pelo macho.Para elas, o amor heterossexual flertaria com o “inimigo”. Eu, ao contrário, penso que este tema deveria ser tratado justamente por quem “ama o inimigo”.O impacto no cotidiano deste “antiamor” se dá via arte, leis, educação, enfim, os oráculos de Nisbet.

O resumo da ópera é o seguinte: a mulher ganhou dinheiro e com isso deu um pé no mau marido, que existem aos montes porque a regra geral é a insatisfação. As feministas acertam quando dizem que o homem teme a mulher (não por conta dessa bobagem de “inveja do útero”, ele tem mais é “medo da dor do útero”), mas sim pelo medo do fracasso sexual diante dela. As neandertais tratam dessa ferida com ácido.

Mas a vida real vem à tona, quando sai de cena a militância e entra em cena a cama onde cresce a solidão das mulheres livres.Não se trata de dizer que as mulheres “devam voltar para o tanque” -isso é idiota-, mas sim que as feministas neandertais só atrapalham quando levam a política para debaixo dos cobertores. Fiquem nas delegacias e sindicatos, lugares onde a vida é pobre e bruta.

Dizem as mulheres: queremos homens sensíveis, mas nem tanto, queremos ter sucesso profissional, mas jamais sustentar homens sem sucesso profissional (dividir contas sempre já seria sinal suficiente de pouco sucesso por parte do parceiro), queremos ser livres, mas não homens bananas.

Mulheres não suportam homens tristes. Seria, afinal, o sucesso profissional dos machos um critério definitivo do desejo das fêmeas por eles? Quando o homem deve começar a dizer “não” a suas mulheres livres?A noite vazia é o paraíso dos homens e mulheres livres. Nela, eles respiram a banalidade das conquistas repetidas. Uma infinidade de seduções insignificantes.

O acúmulo das experiências múltiplas gera uma consciência afetiva cínica. Assola-me o sentimento profético de que quanto mais experimento, menos sou capaz de experimentar. Na juventude a solidão é opção, com o tempo não passa de falta de opção. Ao mesmo tempo em que as rugas nascem o corpo cansa e a alma desespera.

As políticas do amor são um dos modos mais sofisticados de barbárie “científica”. Haveria uma relação invisível, como um fantasma obsessivo, entre ódio e políticas do amor?



Fonte do artigo : http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2704200917.htm

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Por Christiane Forcinito

O homem é a medida de todas as coisas ou todas as coisas medem, sujeitam o homem? Foi exatamente pensando no que escrever, que essa questão nos veio à cabeça. Faremos uma reflexão, não muito profunda, porém com base no que estudamos na disciplina de antropologia filosófica, pontuaremos a concepção do homem nestas duas dimensões durante a história e o que isso suscitou filosoficamente sobre ele.

Educação (o homem que se educa e educa outro) e sociedade (o homem ser social que fala e se comunica) andam de mãos dadas e é difícil distinguir quem influencia quem. O homem, no entanto, é visto de maneiras diferentes nessas duas dimensões desde a Grécia antiga, com os filósofos clássicos, até o renascimento, com Maquiavel.

Atenas vivia num momento de transição entre uma educação voltada para a guerra e uma Atenas construindo uma democracia. Diante deste panorama encontramos dois processos educativos, um seguindo o modelo do guerreiro e outro despontando do cidadão que participa do “àgora”. Aqui teremos o guerreiro transformado, ou seja, o modelo, a compreensão, a concepção de homem começa a mudar. Protágoras e Sócrates vivem neste contexto novo, porém ambos pensam na educação de maneiras diferentes.

Protágoras (Sofistas) não se preocupam com o conhecimento e querem moldar todas as pessoas num mesmo plano; demonstram um relativismo “criativo”, onde o conhecimento não é contemplado, pois não há compromisso com o saber e, sim, com a arte de falar (vencer pelo argumento).

Sócrates por sua vez, preocupa-se com o conhecimento e com o que possibilita a ação, ou seja, o saber e fazer prático, coerente.

Aristóteles vem em seguida com a palavra chave “felicidade”, isto é, a vocação do homem é ser feliz, porém, esta felicidade se encontra na sociedade. É a “identidade” tendo um senso de pertencimento, ou seja, o ideal da felicidade está ligado ao homem como “espécie” ligada ao todo. A felicidade pode até passar pela individualidade, mas o foco é o todo. A referência é a sociedade e a educação volta-se para a formação deste homem administrada pelo Estado (todo).

Ainda em Atenas o assegurar a felicidade é presente na concepção deste homem. Cosmopolita, Atenas supera a visão de “localizada” e passa também por um momento de transição onde o pensamento grego possui influência romana, ou seja, uma fragmentação em termo de conhecimento. Os estóicos surgem neste contexto focando o homem moral e ético com ação do pensar para a prática. O homem tem como objetivo firmar virtudes e assegurar a felicidade, pois uma vez conquistada a virtude ele é feliz e não se deixa levar pelas “paixões”, ou seja, livre de qualquer perturbação, tranqüilidade de alma e independência interior. Para os estóicos há a concepção de um homem universal que, segundo eles, é uma questão natural.

O homem medieval é o motor do conhecimento, isto é, ele é aquele que conhece, busca informação procurando saber e sendo influenciado. Ele é o centro e todo o seu caminho é determinante porque é necessário “algo mais”. Ele é o que olha para o alto. O caminho filosófico não é suficiente para chegar a Deus, pois para Santo Agostinho o Espírito se revela ao homem. A virtude da caridade mantém o homem numa “reta” ordem, ou seja, esta prática é fundamental e há uma relação de reciprocidade, pois com Deus mantenho uma relação sem anulação.

Santo Tomás é mais racional. O homem precisa aprimorar sua maneira de ver as coisas, pois tudo está Nele! Se o raciocínio do homem o faz afastar-se da verdade é sinal que algo está errado com a razão, pois há uma referência a alcançar.

No renascimento há uma ruptura, pois o homem não viabiliza a elevação individual, ou seja, a concepção de homem mudou-se completamente. Aqui ele é mau por natureza e sua moral é relativa e pragmática, sua ação visa o fim sem pensar nos meios, ou seja, é uma questão prática de resultado. Se antes existia uma moral normativa aqui acontece o contrário, pois o homem do renascimento deve separar a moral particular da moral pública/ política. A educação é voltada a esse fim e há toda uma conjectura social também.

E hoje? Embora possam perceber que 95% dos pensamentos hodiernos formulados pela nossa sociedade e pelos intelectuais são frutos de pensamentos de outrora, problemas que já foram tratados em diferentes épocas voltam a ser tratados em nossa sociedade atual, mostrando que esses conteúdos possuem excelência muito humana para ser entendido pelo ser humano. Ainda assim a concepção do homem sempre anda lado a lado com a educação (como meio e meta) e a sociedade apontando um homem idealizado.

Baruch Spinoza





Por Christiane Forcinito

Baruch Spinoza foi um pensador racionalista, que fez referência ao pensamento de Descartes e que no seu rigor lógico se utilizou do que ele chamava de método geométrico. Este método dedutivo consistia em regras fixas para se chegar ao conhecimento seguro.
Escreveu sobre política, Deus, ética e conhecimento. Vamos nos ater na sua obra “Tratado sobre a Emenda do Intelecto” para elaborarmos este trabalho, visto que o trecho a ser analisado faz parte deste.
Neste tratado ele propõe esclarecer algo que não está muito claro, ou seja, corrigir o conhecimento. Aqui, Spinoza diz que existem os bens comuns e o verdadeiro bem, porém, quais os buscam? São eles conciliáveis? Em que consistem?
Três aspectos devem ainda ser colocados em destaque, pois são fundamentais para se compreender o pensamento de Spinoza, estes são: a “busca pela liberdade absoluta do pensamento” que nos livra da ignorância que para ele era a causa do mal; a busca pela felicidade permanente e a “hesitação”.
O trecho a ser analisado é: “... decidi enfim inquirir se existia algo que fosse o bem verdadeiro e capaz de comunicar-se, e somente pelo quais todos os demais rejeitados, o ânimo fosse afetado; mais ainda, se existisse algo que descoberto e adquirido, me fizesse fruir pela eternidade a contínua e suma alegria.”.
A seguir comentarei o trecho acima destacando a oposição entre os bens comuns e o verdadeiro bem, em que consiste esse último, e porque pode ser eterno.

COMENTÁRIO SOBRE O TRECHO DA OBRA “TRATADO DA EMENDA DO INTELECTO”
Spinoza decide pesquisar, isto é, ele tomou uma decisão, porém não de maneira brusca, ele “hesitou” antes. Ele sabe que o verdadeiro bem existe, ele hesita porque não sabe o que é o bem e se este vale a pena. Ele quer buscar, porém não tem praticidade, ou seja, aceita, mas não sabe como buscá-lo, pois ele não é movido pela atração do que lhe falta, o objetivo da busca é a felicidade permanente.
Primeiramente ele hesita se busca os bens comuns ou o bem verdadeiro para conseguir a felicidade permanente. Diante disso ele verifica que os bens comuns distraem a mente, pois uma de suas características é a certeza no presente e a incerteza no futuro. E quais seriam estes bens comuns?
Os bens comuns são os prazeres, a riqueza e a honra. Busca-se porque dão felicidade, porém estes três trazem a distração da mente e a impede de achar o verdadeiro bem.
O prazer tem relação com o corpo. Quando este se satisfaz, ele e a mente descansam, pois a mente se sente bem no prazer. O indivíduo, após a sensação de prazer, depois do relaxamento, sente uma perturbação diante da pequena duração deste, que resulta na estupidez de se querer mais, ou seja, o prazer não é um bem contínuo.
A riqueza tem relação com as coisas e por outro lado é contínua, mas não é estável. A mente se distrai porque está em contínuo movimento, isto é, você quer sempre mais e pensa somente nisso. Ainda há o problema da riqueza de uma hora para outra acabar e como sendo um “fim” resulta na infelicidade.
As honras possuem relação com a mente e não são bens estáveis. Quando se possui as honras quer-se mantê-las sempre, assim como a riqueza. As honras nos fazem ficar escravos da opinião alheia, da comparação com os outros e isso resulta na inquietude e distração.
Os bens comuns são incertos, distraem a mente e em um momento ou outro virá à infelicidade (males certos) ou como ele descreve no texto “todos os demais rejeitados”. Esta só é igual no “desejo da felicidade”.
O verdadeiro bem pode ser incerto no presente, mas não é um mal. Este bem é contínuo, supremo e estável. Spinoza é racionalista e por isso primeiramente vê o “Fim” e depois traça os meios. O “Fim” é a busca do Bem (o que deve ser ou ele não buscaria), este que ele pensa, pois só o fato de pensar nele já é o bem e o faz buscá-lo.
Este bem é geral, serve para todos e está longe da imaginação que ele define como ausente, nunca presente, e inatingível. O bem que se deseja é “certo sempre”, inicialmente pode parecer incerto (posso nem pensá-lo), mas a partir do momento que penso no futuro é certo e traz a felicidade estável.
Spinoza ainda mostra que não é necessário renunciar aos bens comuns para buscar o bem verdadeiro, pois você usufruirá também dos bens comuns, porém com a certeza do que é o bem verdadeiro e não os deixando distrair a mente. Mudando a prioridade quebra-se a ilusão e a distração. Pelo pensamento exercendo a “liberdade”, faz-se um aperfeiçoamento individual, universal, buscando a perfeição.
O verdadeiro bem é a união com a natureza e o seu conhecimento das leis do universo. É também a busca, é o desejo de uma felicidade. O Conhecimento é um acúmulo, é estável e contínuo, e justamente por isso ele pode ser eterno

CONCLUSÃO
Hoje em dia a luta entre os bens comuns e o bem verdadeiro é percebida em diversos segmentos. E por mais que se criem teorias em cima de teorias ou especulações enfim, toda a história do pensamento se volta à negação ou à afirmação e à necessidade de um “bem” maior, supremo e estável.
Todos os seres humanos necessitam, assim como precisam do ar para respirar, de algo que dê sentido em suas vidas. Alguma coisa que dê conta de sua existência, que explique, conduza, apazigúe a sede de absoluto do homem.
O que é incrível de se ver nos filósofos é justamente essa ânsia em querer abraçar a vida, explicar vários aspectos desta, enfim ser os olhos e o pensamento do mundo. Porém muitos, infelizmente, se perderam pelo caminho.....
Spinoza de seu jeito encontrou. Não só o encontrou como viveu e o que fiquei admirada lendo a respeito dele foi sua ética com a teoria ligada à prática. Particularmente discordo de várias questões a respeito de sua filosofia panteísta e de seu determinismo, mas como escreveu Bertrand Russell (1957 p99): “Spinoza (1634-77) é o mais nobre e mais amável de todos os grandes filósofos. Intelectualmente, alguns outros o superaram, mas èticamente é supremo.”.

REFERERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA PARA ESTE ARTIGO

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires, Filosofando. Introdução á Filosofia. 3 ed. São Paulo: Moderna, 2007.
_________________________________________________São Paulo: Moderna, 1987.
FRANCA, Padre Leonel, Noções de História da Filosofia. 20 ed. Rio de Janeiro: Agir, 1969.
MONDIN, Battista, Introdução à Filosofia. 16 ed. São Paulo: Paulus, 2006.
RUSSELL, Bertrand, História da Filosofia Ocidental. São Paulo: Nacional, 1957, VIII.
SCALA, André, Espinosa, São Paulo: Estação Liberdade, 2003.

Por Christiane Forcinito


Refletindo nas mais variadas problemáticas que cercam o homem vou me ater na aparente contradição da fé versus a ciência (ou razão) sob o olhar de Pascal na busca da própria identidade deste. Esta questão que é discutida desde o século XIII até hoje suscita paradigmas, dúvidas, ou seja, norteia ações.

Este tema tem os primórdios desde o século XIII, passando pelo iluminismo, entrando no século XIX (com o auge da ciência explicando toda a realidade) e chegando até os dias de hoje. Muitos filósofos tentaram de alguma forma separar ambas as esferas como uma espécie de busca pela autonomia e liberdade, porém como desejo mostrar aqui, é que a fé e a razão podem andar juntas sem nenhuma contradição, assim como escreveu o Papa João Paulo II na encíclica “Fides et ratio” de 1998, p 3 escreveu: “A fé e a razão constitui como que duas asas pelos qual o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade”.

Os posicionamentos de Pascal pode até tumultuar o raciocínio e a busca de identidade do homem contemporâneo, pois ele traz questões ontológicas que obrigam o homem a agir de forma coerente e firme. Ele viveu numa época onde havia uma valorização da geometria e sua lógica, porém Pascal partiu para discutir questões mais existenciais. Hoje também podemos perceber que não vivemos em um mundo muito diferente na questão entre a lógica do mundo e as questões existenciais.

Pascal, a meu ver, sabiamente afirmou que a lógica geométrica (de sua época) não cabe ao homem por ele ser um elemento diferenciado e “irregular” e que o estudo deste permite o princípio da não contradição. Hoje há essa mesma dinâmica, pois a ciência tenta e quer superar esta contradição quando na verdade a contradição é próprio elemento da existência humana e em nada abala a relação entre a fé e a ciência.

Vivemos em um mundo onde impera a corrente chamada relativismo, a qual nega toda a verdade e a ética absoluta, ficando a critério de cada um seguir a “sua verdade”, isto é um subjetivismo onde o que interessa é o eu e suas ações que a priori “aparenta” liberdade e autonomia, nada mais é que uma ação pautada na ação da “maioria”.

O filósofo naquela época já afirmava que o homem é feito para o divino, pois o homem possui uma insuficiência, isto é, ele é ontologicamente dependente do Criador. Esta insuficiência representa a idéia da natureza “decaída” pelo homem através do pecado original. Este (homem) rompeu com o primeiro plano do criador resultando na impotência deste dar conta de se conhecer se não tiver atento a uma voz superior, pois ele está desarmonizado, há uma disjunção que se manifesta em forma de contradição.

Hoje não estamos muito diferentes. Todos querem ter um rumo e o homem aspira naturalmente à verdade, porém não compreende a lógica do sofrimento, tem medo do comprometimento seja ele político, profissional, pessoal, social, filosófico ou mesmo religioso. Hoje alguém procura uma religião por uma “necessidade psicológica”, ou partem logo para uma prática ateísta achando que um dia a ciência vai explicar tudo (materialismo promissório). Outros, porém, acredita que como não há evidencia de Deus ele pode existir ou não. Há os que afirmam que Deus não existe. Ainda há aqueles ceticamente suspendem seus juízos. E por último podemos distinguir ainda aqueles que acreditam que Deus é tudo e desabam num panteísmo sem fronteiras, não se comprometendo com nada e com tudo, isto é, jogando de tudo (que não conseguem explicar) um pouco dentro do balaio e verificando o que lhe cabem ou o que é “melhor”.

Logicamente esta visão que diz a fé ser contraditória à razão já vem de um histórico mal compreendido, isto é, quando não se estudam a fundo a questão de Deus, quando não conseguem compreender a lógica do sofrimento ser ou não compatível com a infinita bondade de Deus resultam em um preconceito achando que Deus tira a liberdade do homem (quando na verdade os liberta) interpretando fatos históricos erroneamente.

Outra grande questão que também é associada a essa aparente contradição consiste em confundirem fé com crendice. São coisas totalmente diferentes, isto é, a fé é a investigação movida pela inteligência e a crendice é apenas um senso religioso inato no homem, mas desligado da razão. A ciência/razão não abala a fé. A razão quando bem conduzida leva à fé, pois a verdade não se limita a que a razão humana limitada alcança!

Nietzsche, ferozmente e ressentidamente, dizia que a fé é não querer saber o que é a verdade. Kant, embora não pôs em dúvida o valor objetivo da fé, quando responde a pergunta o que é “Aufklärung” erroneamente diz que a menoridade em coisas da religião é danosa e humilhante, o que eu discordo, pois lendo este texto o interpreto de forma contrária dizendo que a menoridade é justamente quando nos comportamos iguais crianças querendo fazer tudo que queremos sem pensar ou medir conseqüências, fazendo birra, gritando e nos jogando ao chão.

Outros filósofos também tentaram de alguma forma formular a questão da identidade do homem dissociando a fé da razão. Entre eles estão também Feuerbach afirmando que Deus foi inventado pelo homem devido ao medo e que este o leva ao fanatismo e ao erro; Marx, por sua vez é feroz quando diz que o homem gosta de se iludir e por isso Deus foi criado. Comte, com seu positivismo, separam ambas as esferas dizendo que o homem positivo ultrapassa o homem religioso que por sua vez este se encontra na “infância”.

Pascal defende que o homem deve estar aberto a Deus e se atrelando a Este se torna preenchido, ou seja, esta “dependência” não é algo negativo, pois abre o homem à “graça”, ao sobrenatural e também representa a idéia de natureza (carne e espírito) se harmonizando como no princípio assim seria. O contrário implica na queda e isso sim é negativo, pois o homem no pecado (sem a “graça”) perdeu a capacidade de fazer o bem deixando a solta a sua inclinação a fazer apenas o mal.

Atualmente, sem querer generalizar, percebe se que o “homem” se “coisificou” quando deixou de ser filho do criador para ser apenas mais uma espécie animal. Toda identidade está comprometida resultando num “descompromisso” engendrado no conceito que o próprio homem tem de si. Enquanto ele fica a procura de sua identidade no mundo, nas coisas e nas pessoas acaba se esquecendo que seu dia a dia tem valor redentor e santificante e que conhecendo a Deus para conhecer a si mesmo nasceu para amar e ser amado.

Concluo este artigo com as palavras que próprio Pascal que assim escreveu:
“Os homens desprezam a religião; odeiam-na e temem que seja verdadeira. Para acalmá-los, é preciso começar mostrando que a religião não é contrária à razão; que é digna de veneração e respeito; em seguida, torna-la amável, fazer com que os bons desejem que seja verdadeira, digna de veneração, pois conhece exatamente o homem; amável porque promete o verdadeiro bem.” [1]

Bibliografia

CASSIRER, E. Antropologia filosófica. 2 ed.São Paulo: Mestre Jou, 1977.

FRANCA, Pe. Leonel. Noções de história da filosofia, 20 ed. Rio de Janeiro: Agir, 1969.

JOÃO PAULO PP. II, Carta Encíclica. “Fides et ratio” aos Bispos da Igreja Católica sobre as relações entre fé e razão. 1998.09.14 [online] disponível na internet via www. URL: http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_15101998_fides-et-ratio_po.html

KANT. Immanuel. Resposta à pergunta: O que é esclarecimento (Aufklãrung). Königsberg, 1784.

LIMA VAZ, Henrique C. Antropologia filosófica. 7 ed. São Paulo: Loyola, 2004. VI

MONDIN, Battista. Introdução à Filosofia. 16 ed. São Paulo: Paulus, 2006.

_______________. O homem, quem é ele? 12 ed. São Paulo: Paulus, 2005.

_______________. Quem é Deus? Elementos de teologia filosófica. São Paulo: Paulus, 1997.

NIETO, José Lino. A vontade de poder: Nietzsche, hoje. São Paulo: Quadrante, 2004.

TRESE, Leo. A fé explicada. 7 ed. São Paulo: Quadrante, 1999.
[1] - PASCAL, Pensieri, br.187 apud MONDIN,Battista. Quem é Deus? p.48.




Por Peter Kreeft

Immanuel Kant (1724-1804) parecia ser uma pessoa cordial e pacata. Poucos daqueles que o conheceram talvez imaginassem que as suas teorias teriam um impacto destruidor sobre a filosofia e a mentalidade contemporâneas.

Na história da filosofia, houve poucos pensadores tão ilegíveis e áridos como Immanuel Kant. Contudo, poucos tiveram um impacto tão devastador sobre o pensamento humano como ele.

Conta-se que Lumppe, o seu dedicado assistente, teria lido fielmente cada uma das publicações do mestre. Mas nem mesmo ele conseguiu ler a obra mais importante publicada pelo filósofo, A crítica da razão pura; na verdade, chegou a começar a leitura, mas interrompeu-a dizendo que, se tivesse de terminá-la, haveria de ser num hospital psiquiátrico. Desde então, muitos estudantes têm-se feito eco dessa opinião.

No entanto, penso que esse professor abstrato, que escrevia em estilo abstrato sobre questões abstratas, é a fonte primária da idéia mais perigosa de todas para a fé (e, portanto, para as almas): a idéia de que a verdade é subjetiva.

Os simples cidadãos da sua Königsberg natal (atual Kaliningrado, Rússia), onde o filósofo viveu e escreveu durante a segunda metade do século XVIII, parecem ter entendido isso melhor do que muitos acadêmicos profissionais, porque lhe deram o apelido de "o destruidor" e davam o seu nome aos cachorros.

Pessoalmente, Kant era um homem amável, gentil e piedoso, tão pontual que os vizinhos ajustavam os relógios pelos seus passeios. Também o intuito básico da sua filosofia era nobre: restaurar a dignidade humana num mundo cético que idolatrava a ciência.

Essa intenção pode ser ilustrada com o seguinte episódio. Em certa ocasião, Kant assistiu à palestra de um astrônomo materialista sobre o lugar do homem no universo. Quando o cientista concluiu a palestra com as palavras: "Assim, vemos que o homem é evidentemente insignificante em termos astronômicos", o filósofo levantou-se e disse: "Professor, o senhor esqueceu o mais importante: o homem é o astrônomo".

No entanto, mais do que qualquer outro pensador, foi ele quem impulsionou a deriva tipicamente moderna da objetividade para a subjetividade. Isso pode parecer bom até nos darmos conta de que implicava a redefinição da própria verdade como algo subjetivo. E as conseqüências dessa idéia têm sido catastróficas.

Quando conversamos com alguém que não crê, percebemos que o obstáculo mais comum à fé hoje em dia não é nenhuma dificuldade intelectual honesta (como o problema do mal ou o dogma da Trindade), mas a convicção de que a religião não pertence ao campo dos fatos nem das verdades objetivas. Assim, qualquer tentativa de tentar convencer outra pessoa de que a fé é verdadeira - objetivamente verdadeira, verdadeira para todos - passa a ser considerada de uma arrogância intolerável.

De acordo com essa mentalidade, a religião é teórica, não prática; tem a ver com valores, não com fatos; é subjetiva e privada, não objetiva e pública. O dogma seria um "extra", e um "extra" daninho, porque fomentaria o dogmatismo. Ou seja, a religião, no fundo, não passaria de uma ética. Além do mais, uma vez que a ética cristã é muito parecida com a ética das outras grandes religiões, pouco importaria se você é cristão ou não; o importante é ser "boa gente". (Geralmente, as pessoas que acreditam nisso também acham quase todo o mundo "boa gente", com exceção de Adolf Hitler e Charles Manson).

Kant é em larga medida responsável por essa maneira de pensar. Ele ajudou a enterrar a síntese medieval entre fé e razão, e descreveu a sua filosofia como "tirar do caminho as pretensões da razão para abrir espaço à fé", como se fé e razão fossem inimigas, não aliadas. Assim, consumou o divórcio entre fé e razão iniciado por Lutero.

O filósofo pensava que a religião jamais poderia ser objeto da razão - uma evidência, um argumento ou sequer um objeto de conhecimento -; deveria ser unicamente uma questão de sentimentos, de emoções e de atitudes. Esse postulado influenciou profundamente a maior parte dos educadores religiosos atuais (entre os quais redatores de catecismos e teólogos), que deixaram de lado a rocha-mãe da fé, os fatos objetivos narrados na Sagrada Escritura e resumidos no Credo dos Apóstolos. Fregueses da filosofia kantiana, divorciaram a fé da razão e casaram-na com a psicologia pop.

"Duas coisas me deixam maravilhado", confessou Kant certa vez: "o céu estrelado acima de mim e a lei moral dentro de mim". Aquilo que maravilha um homem preenche o seu coração e dirige o seu pensamento. Reparemos que, entre as coisas que maravilham o filósofo, não estão Deus, Cristo, a Criação, a Encarnação, a Ressurreição e o Juízo, mas apenas "o céu estrelado acima de mim e a lei moral dentro de mim".

"O céu estrelado" é o universo físico, tal como a ciência moderna o entende; e tudo o mais é relegado para o campo da subjetividade. Assim, a lei moral não estaria "fora", mas "dentro de mim"; não seria objetiva, mas subjetiva; enfim, não seria uma Lei Natural com certos e errados objetivos, mas uma lei feita por nós mesmos à qual escolhemos vincular-nos. (Mas será que estamos realmente vinculados quando só nos vinculamos a nós mesmos?) A Moral seria, portanto, apenas uma questão de intenção subjetiva; não teria qualquer conteúdo com exceção da Regra de Ouro* (o "imperativo categórico" de Kant).

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(*) A regra de ouro é considerada classicamente o princípio central de toda a ética. Na sua formulação negativa - "não farás aos outros aquilo que não queres que te façam" -, encontra-se em diversos pensadores de quase todos os povos. Cristo deu-lhe uma formulação positiva: Tudo o que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles (Mt 7, 12) (N. do T.).

Se a lei moral veio de Deus e não do homem, o homem não seria livre no sentido de ser autônomo, o que é verdade. Mas, para Kant, o homem tem de ser autônomo, e portanto a lei moral não vem de Deus, e sim do próprio homem. Partindo da mesma premissa, a Igreja afirma que a lei moral realmente vem de Deus, e portanto que o homem não é autônomo; ele é livre para optar por obedecer-lhe ou não, mas não é livre para criar a lei.

Embora se considerasse cristão, o filósofo negou explicitamente que pudéssemos conhecer ao certo a existência (1) de Deus, (2) do livre arbítrio, e (3) da vida eterna. Disse que deveríamos viver como se essas idéias fossem verdadeiras, porque caso contrário não levaríamos a moral a sério. É essa justificação da fé por razões puramente práticas que constitui um erro terrível. Kant acredita em Deus não porque Ele exista, mas porque é útil. Se for assim, por que não acreditar no Papai Noel? Se eu fosse Deus, preferiria um ateu honesto a um deísta desonesto; e penso que Kant é um deísta desonesto, porque há apenas um único motivo honesto para acreditar seja no que for: o fato de essa coisa ser verdadeira.

Aqueles que tentam vender a fé cristã no sentido kantiano, como um "sistema de valores" em vez da verdade, têm fracassado geração após geração. Com tantos "sistemas de valores" no mercado, por que deveria alguém preferir a variante cristã a outras mais simples, com menos teologia e com uma moral mais fácil e menos inconveniente?

Com efeito, Kant fugiu da batalha ao bater em retirada do campo dos fatos. Acreditava no grande mito do século XVIII, o Iluminismo (nome irônico!). Acreditava que a ciência de Newton tinha vindo para ficar e que, para sobreviver, o cristianismo teria de encontrar um lugar na nova paisagem mental esboçada pela nova ciência. E o único lugar que lhe sobrava era a subjetividade.

Isso implica ou ignorar os acontecimentos sobrenaturais e miraculosos da história do cristianismo ou interpretá-los como mitos. A estratégia de Kant foi essencialmente a mesma que seguiria Rudolf Bultmann (1884-1976), o pai da "demitologização" e talvez o principal responsável pela perda da fá entre inúmeros universitários católicos. Muitos professores de teologia perfilham as suas teorias exegéticas, que reduzem os milagres contidos na Bíblia, relatados por testemunhas oculares, a simples "mitos", "valores" e "interpretações piedosas".

Com relação ao suposto conflito entre fé e razão, Bultmann disse: "A visão científica do mundo veio para ficar e fará valer os seus direitos contra qualquer teologia, por mais impositiva que seja, que venha a entrar em conflito com ela". Ironicamente, a "visão científica do mundo" oferecida pela física de Newton e aceita como absoluta e imutável por Kant e Bultmann é hoje quase universalmente rejeitada pelos próprios cientistas!

A questão básica de Kant era: Como podemos conhecer a verdade? Na sua juventude, aceitava a resposta racionalista de que conhecemos a verdade pelo intelecto, não pelos sentidos, e de que o intelecto possuía as suas próprias "idéias inatas". Mais tarde, leu o empirista David Hume, que, em palavras do próprio Kant, o "despertou do sono dogmático". Como outros empiristas, Hume acreditava que o homem só pode conhecer a verdade mediante os sentidos e que não existem "idéias inatas". Mas as premissas de Hume conduziram-no ao ceticismo, à negação de que seja possível conhecer a verdade com certeza. Kant considerou inaceitáveis tanto o "dogmatismo" racionalista como o ceticismo empirista e procurou uma terceira via.

Ora, havia uma terceira teoria disponível desde os tempos de Aristóteles: a filosofia do senso comum, que é o realismo. De acordo com o realismo, podemos conhecer a verdade por meio do intelecto e dos sentidos, desde que ambos trabalhem corretamente em conjunto, como as lâminas de uma tesoura. Em vez de voltar-se para o realismo tradicional, Kant inventou toda uma nova teoria do conhecimento, geralmente chamada idealismo. Considerava-a a sua "revolução copernicana na filosofia". Mas o nome mais simples para ela é subjetivismo, pois o que pretende é redefinir a própria verdade como subjetiva, não objetiva.

Todos os filósofos anteriores tinham dado por assente que a verdade é objetiva. Aliás, de acordo com o senso comum, é simplesmente isso o que queremos dizer ao falar de "verdade": conhecer o que realmente é, conformando a mente segundo a realidade objetiva. Alguns filósofos (os racionalistas) julgavam ser capazes de atingir essa meta apenas com a razão. Os primeiros empiristas (como Locke) julgavam que podiam atingi-la através dos sentidos. O empirista cético Hume, posterior, julgava que não havia maneira alguma de atingir com certeza a verdade.

Kant negou a premissa comum a essas três filosofias concorrentes, ou seja, negou que a verdade devesse ser atingida, que a verdade significasse conformidade com a realidade objetiva. A "revolução copernicana" de Kant redefine o próprio conceito de verdade como realidade que se conforma segundo as nossas idéias. "Até hoje, sustentava-se que o nosso conhecimento devia adequar-se aos objetos [...]. Haverá mais progresso se assumirmos a hipótese contrária, de que são os objetos de pensamento que devem adequar-se ao nosso conhecimento".

Kant afirmou que todo o nosso conhecimento é subjetivo. Bem, essa afirmação é um conhecimento subjetivo? Se é, então o conhecimento desse fato também é subjetivo, et cetera, e todos estamos aprisionados num infinito salão de espelhos. A filosofia kantiana é perfeita para o inferno. É possível que os condenados creiam não estar realmente no inferno; seria apenas coisa da cabeça deles. E talvez seja isso mesmo: é possível que o inferno seja exatamente assim.

Peter Kreeft
Professor de Filosofia no Boston College. É autor de mais de uma dezena de livros de filosofia e apologética cristã.

Fonte: Site do autor
Link: http://www.peterkreeft.com

Quem me fez a gentileza de enviar este excelente texto foi minha grande amiga Maitê Tosta.

Nikos Kazantzákis




Como agora a noite estou com um cansaço extremo e muitas vezes o exercício do pensar me esgota de tal maneira que acredito que vou enlouquecer irei postar aqui um texto que estudei hoje e que muito me fez refletir ...

A vida de Nikos ...

Nikos Kazantzákis nasceu na capital de Cre­ta, Heráklion, em 1883 e ali foi sepultado em 1957. Na infância, pôde ele ainda assistir a lances he­róicos da luta dos cretenses para libertar sua ilha da ocupação turca; a Grécia continental tinha proclamado sua independência havia mais de meio século. Remontam possivelmente aos dias de infância a obsessão de Kazantzákis com o pro­­blema da liberdade e o seu culto do herói. Esse culto foi mais tarde acoroçoado pela marcante influência que recebeu da filosofia de Henri Bergson: em As duas fontes da moral e da religião, Berg­son aponta o místico e o herói como os princi­pais propulsores do élan vital. ­

Depois de completar os estudos preparató­rios em Creta e Naxos, Kazantzákis cursou Direi­to em Atenas, por cuja universidade se diplomou em 1906. No ano seguinte, foi estudar filosofia em Paris; freqüentou os cursos da Sorbonne e acompanhou ciclos de palestras de Bergson no Colégio de França. De volta à Grécia, traduziu, de Bergson, O riso e publicou um longo ensaio sobre ele (1912). Na mesma época, traduziu também, de Nietzsche, A origem da tragédia e Assim falava Zaratustra. Anos depois, Kazantzákis se iria dedi­car a uma modalidade mais difícil de tradução. Verteu para o demótico, além de A divina comédia de Dante e o Fausto de Goethe, a Ilíada e a Odis­séia de Homero. Estas duas últimas, traduções “intralinguais", ou seja, no âmbito da mesma lín­gua, se explicam pelas sensíveis diferenças que há entre o grego antigo e o grego moderno. Con­quanto o demótico conserve o vocabulário essen­cial do ático, incorporou-lhe numerosos estran­geirismos e simplificou-lhe a estrutura gramatical. Para poder entender Homero ou Plutarco, os gre­gos de hoje têm de estudar o ático quase como se estudassem um idioma estrangeiro.

Já antes de ocupar-se dessas traduções intralin­guais, Kazantzákis se alistara na chamada causa “vulgarista", que reivindicava a adoção do demó­tico como idioma oficial da Grécia, em substitui­ção ao katharevousa, uma língua purista artificial­mente criada por eruditos com base no ático. De parceria com sua primeira esposa, Galathia, chegou a escrever livros em demótico para crianças, inclusive compêndios escolares. Em 1919, o go­verno Venizelos o encarregou de repatriar cerca de 150 mil gregos que viviam no Cáucaso, onde estavam sendo hostilizados pelos bolcheviques. Nessa tarefa, teve como assistente um certo Yióriys Zorbás, que lhe inspiraria o protagonista de Zorba, o grego. Embora não perfilhasse o ateísmo e o materialismo marxistas, Kazantzákis foi atraído pelos ideais comunistas da Revolução Russa de 1917 e incluiu Lenin no seu panteão de heróis, ao lado de Cristo, Buda e Odisseu.

Seu engajamento na vida pública da Grécia teve um fim abrupto e melancólico. A rejeição da proposta demoticista pelo parlamento; a derrota do exército grego pelo exército turco em 1922, obrigando mais de um milhão de gregos a aban­donar para sempre a Ásia Menor; e a queda do gabinete liberal de Venizelos, foram reveses que o desencantaram da política grega e o levaram, se­não a exilar-se definitivamente de sua pátria, pelo menos a viver longe dela a maior parte do tempo.

Antes disso, ele viajara extensamente pela própria Grécia em companhia do poeta Aggelos Sikelianos, fazendo retiros espirituais em mos­teiros do Monte Atos e da ilha de Siphnos. Vive­ra também algum tempo em Viena, depois em Berlim e em Naumburg, aonde foi para visitar a casa em que Nietzsche tinha nascido. Pelos meados dos anos 20, como correspondente de um jornal ateniense, fez diversas viagens à Rús­sia. Em anos seguintes, percorreu a Palestina, a Espanha, a Itália e o Egito. Empreendeu igual­mente uma viagem ao Extremo Oriente, onde conheceu o Japão e a China. Seu interesse pelas doutrinas religiosas e filosóficas do Oriente, em especial pelo budismo, o levou a escrever um drama sobre a vida de Buda, cujo texto refez mais de uma vez.
Impelido por esses interesses, ia conhecer de perto, nos vários países que percorria, locais onde houvessem vivido santos e místicos. Assim é que, no Egito, subiu ao mosteiro greco-orto­doxo do Monte Sinai; na Espanha, foi à Toledo de S. João da Cruz e à Ávila de Santa Teresa; na Itália, à Assis de S. Francisco, de quem escreveria uma biografia, O pobre de Deus. Parte das im­pressões de viagem de Kazantzákis estão coligi­das em Do Monte Sinai à ilha de Vênus, em cujo prefácio, "Pantera, a minha companheira", as­sim como em vários outros textos do volume, há ecos do ideário de Ascese.

Durante a Segunda Guerra e os anos da guer­ra civil que a ela se seguiu na Grécia, Kazantzákis ali viveu, compartilhando com seus compatriotas todas a.s agruras e privações. Seus últimos anos de vida, ele os passou em Antibes, na Riviera francesa, em companhia de sua segunda esposa, Helena. Em 1957, na viagem de retomo de uma segunda viagem à China e ao Japão, seu estado de saúde se complicou. Morreu aos 74 anos de idade numa clínica da Alemanha. Seu corpo foi transportado a Atenas, onde a Igreja Ortodoxa lhe recusou enterro cristão. Isso a pretexto de tratar-se de um inimigo da fé, por causa das idéias que expusera em Ascese; pouco antes, o governo grego havia feito pressões diplomáticas para impedir que, por indicação de Thomas Mann e Albert Schweitzer, lhe fosse conferido o prêmio Nobel. Todavia Creta acolheu os restos do seu maior escritor com honras de herói e eles hoje repousam em Heráklion sob uma lápide sin­gela onde está gravado o seu auto-epitáfio: "Não temo nada. Não espero nada. Sou livre".

III

Esse epitáfio é o cerne do credo de Ascese os dois "nadas" enfáticos que nele aparecem tra­duzem bem o espírito niilista de tal credo. Um moderno dicionário de filosofia:

1- aponta, como fundamentos do niilismo filosófico, as três ne­gações de Górgias, sofista grego (c. 480 - c. 375 a. C.), cuja importância histórica pode ser aferida, quando mais não fosse, do só fato de o seu no­me dar título a um dos mais conhecidos diálogos de Platão.

Segundo Górgias,
1) nada existe;
2) mesmo que algo existisse, não poderia ser co­nhecido;
3) mesmo que pudesse ser conhecido, tal conhecimento não poderia ser comunicado.

No budismo indiano, onde Kazantzákis foi reconhecidamente buscar boa parte dos princí­pios de seu credo, negações do mesmo tipo das de Górgias podem ser encontradas na escola Satyasiddhi, cujo niilismo - "Nem o eu nem os dharmas são reais" - se opõe frontalmente ao realis­mo da escola Abhidharmakosa, que sustentava que "Tudo existe"

2. Como se pode ver pelo duplo "nem" da primeira frase aspeada, o niilismo satyasiddhiano era radical. Negava, de um lado, a realidade do "eu" cognoscente, a res cogitans que Descartes fez a pedra angular da sua epistemolo­gia - "penso, logo existo". A epistemologia car­tesiana não conseguiu chegar entretanto a uma demonstração logicamente convincente da reali­dade da res extensa, isto é, dos corpos ou subs­tâncias físicas que existem independentemente do pensamento humano.

Tampouco a estas, que chama de dharmas ou elementos de vida, confere existência real o niilismo da escola Satyasiddhi.

Na abertura da primeira parte de Ascese, a vi­sada niilista se confina ainda à teoria do co­nhecimento. Admite tão-só a existência da mente cognoscente, cujos limites enuncia. A essa mente só seria dado conhecer os fenômenos ou aparên­cias do mundo, não a essência deles; tal conheci­mento, por sua vez, se limitaria aos "fenômenos da matéria". Conhecê-los-ia não em si próprios mas nas suas relações uns com os outros, rela­ções elaborados pela própria mente a fim de atender às necessidades humanas. A referência restritiva a "fenômenos da matéria" faz supor a eventualidade de outros que não o fossem (ainda que incognoscíveis), o que apontaria para um dualismo do tipo espírito/matéria.

Pouco mais adiante, nessa primeira parte de Ascese, a visada niilista se radicaliza quando o elo­cutor incita o leitor a dizer a si próprio que não existe nada, matéria e mente são dois "fantasmas [...] inexistentes”.

Tal radicalização leva direta­mente à negatividade absoluta do budismo Satya­siddhi e do niilismo de Górgias. Cabe aqui um parêntese para lembrar que, não sendo Ascese um tratado filosófico em sentido estrito, mas um poe­ma, e, como tal, uma obra de ficção, o "eu" que assume a elocução em primeira pessoa, ou seja, o elocutor, não deve ser identificado simetricamen­te com o autor do livro, ainda que lhe veicule as idéias: é uma instância literária, de estatuto equi­valente ao de personagem de romance.

Por falar em romance, é apropositado lem­brar que o narrador de Zorba, o grego tampouco deve ser identificado com o Kazantzákis de carne e osso porque, com ser personagem do próprio romance, tem o mesmo estatuto ficcional dos demais personagens. Não obstante, os traços de parecença entre narrador e autor são óbvios: aquele é também um intelectual de convicções budistas para quem "tudo não passa de uma fan­tasmagoria do Nada"

3. Mas as arestas mais radi­cais dessas convicções puramente teóricas vão ser aparadas pelo contacto com a rica experiên­cia de vida de Alexis Zorba, que dela extrai uma rústica mas vigorosa sabedoria.

Voltando a Ascese, a relação textual entre elocutor e leitor é a de mestre para discípulo: dis­so dá sinal o uso freqüente do imperativo, mar­ca gramatical do modo de comando. Comando que se explicita, já em "A preparação", nos três deveres a cujo cumprimento o leitor-discípulo é concitado. Quanto ao caráter ficcional do texto, ele avulta, quando mais não fosse, no recurso constante à personificação e ao diálogo. Entida­des abstratas como a mente e o coração ganham estatuto de personagens e, investidos de voz própria, discutem pontos de doutrina.

Um desses pontos é a não-aceitação, pelo coração ou sexto sentido, dos limites que a men­te lucidamente reconhece em suas capacidades cognitivas. Embora saiba ser impossível chegar à essência dos fenômenos, ao deslinde do mis­tério da vida e da morte, o coração quer sempre ultrapassar a mente, ir nietzschianamente "além do homem”.

Move-o um impulso acima da ra­zão, no que o pensamento de Ascese mostra também sua filiação ao irracionalismo nietz­schiano.

Mas o terceiro dever a que "A prepara­ção" conclama o leitor-discípulo é o de superar tanto o cauto ceticismo da racionalidade quanto a esperançosa impulsividade da intuição ou sexto sentido para dizer a si próprio que, como nada existe, "não espero nada, não temo nada, libertei-me da mente e do coração, subi mais alto, sou livre."

Essa ascensão por via da negação radical de tudo deveria logicamente levar a um sentimen­to da total inutilidade da ação. Entretanto, não é o que acontece: o restante de Ascese é um reite­rado chamado à luta, ainda que se trate de uma luta sem esperança nem recompensa. Nisto, o pensamento de Kazantzákis não desmerece das suas raízes búdicas. Algumas dessas raízes mais remotas estão no Bhagavad-Gitá, que é um dos textos básicos da filosofia indiana e que tem na aporia do agir ou não-agir o eixo de sua argu­mentação. Argumentação desenvolvida não em termos de raciocínio lógico e sim de paradoxos de ordem místico-religiosa.

Na iminência de guerrear os Kuravas seus primos, Arjuna, herói dos Pandavas, angustia-se com a perspectiva de derramar sangue de sua própria gente e pergunta-se se não é preferível ser morto a matar. Seu áuriga Krishna, reincarna­ção do deus Vishnu, trava então com ele um longo diálogo em tomo da ação e não-ação. En­tre muitas outras coisas, diz-lhe que ninguém assassina nem é assassinado pois o Uno ou Aqui­lo [Brama], que tudo contém, não morre quando o corpo é assassinado, mas passa para um novo corpo, como se trocasse de roupa: "Aquele que compreende que Aquilo é perpétuo e indestru­tível como poderá matar ou ser morto? [...] Não deves lamentar a morte de qualquer criatura pois o Morador do Corpo que pensas destruir é eter­no". E incita-o a partir para a luta ou ação, sem se preocupar com os seus resultados, favoráveis ou desfavoráveis: "Ninguém pode deixar de agir, por um instante que seja, pois é próprio da Na­tureza compelir todos a agir. [...] executa desinteressadamente o teu dever"4. Mesmo porque não é o indivíduo quem age: ele é apenas o ins­trumento da pura ação, através da qual se mani­festa o infindável sopro da criação.

Sopro da criação, impulso vital: neste ponto, o vitalismo do pensamento oriental se entrecruza com o vitalismo bergsoniano para articular a ex­posição de "A marcha", o segundo capítulo de As­cese. Marcha no sentido de ascensão evolucionária desde a pedra, passando pelos vegetais, os peixes, as aves, as feras e os símios, até o homem e o além-homem. No intento confesso de "modelar o novo rosto contemporâneo de nosso Deus", Kazantzákis começa por reconhecer que as feições dadas por outras épocas e povos a essa "prodigiosa essência sem rosto" são máscaras datadas. Para afeiçoar-lhe uma máscara consentânea com o nosso tempo, ele só poderia encontrar materiais apropriados na teoria da evolução, horizonte de referência obrigatório das visões de mundo da contemporaneidade. Não no evolucionismo de­terminista e materialista do cientificismo do sécu­lo XIX, mas na concepção espiritualista que Berg­son formulou em A evolução criadora (1907). Os ne­xos entre as idéias-chave de "A marcha" e o vitalis­mo bergsoniano são por assim dizer imediatos.

Para Bergson, o movimento evolutivo ven­ceu a resistência da matéria bruta e criou as pri­meiras massas de protoplasma graças ao "for­midável impulso interior que devia alçá-las até as formas superiores de vida"5; a esse impulso interior deu ele o nome de élan vital. Para o elo­cutor de Ascese, o impulso vital é um "terrível Grito primevo" que reboa dentro do coração hu­mano e forceja por libertar-se, impelindo o ho­mem a pôr-se em marcha. Diante deste, abrem-se dois caminhos, já assinalados no prólogo de As­cese: o ascendente, rumo à síntese e à vida; o descendente, rumo à dissolução. A escolha, pelo homem, do caminho ascendente é instintiva, “sem nenhuma razão"; dita-a o próprio impulso vital. Bergson também aponta, no movimento evolutivo, duas direções: a ascendente, que é ca­racterística da evolução animal e levou "à cons­ciência cada vez mais ampla"; e a descendente, que buscou retardar a evolução animal, peando-a a cada passo com uma tendência regressiva rumo à vida vegetativa das plantas, caracterizadas por "consciência adormecida e insensibilidade"6.

O itinerário de "A marcha" se cumpre em quatro degraus progressivos: o eu, a raça, a hu­manidade e a terra. Itinerário oposto, pois, ao da individuação, que no budismo é a causa primei­ra do sofrimento humano. Dele trata Buda no seu primeiro sermão, onde diz que a "fonte des­se sofrimento é a idéia da existência de um 'eu' substancial"7, idéia da qual é mister libertar-nos pela Iluminação. Em Ascese, o eu é visto como a "ponte ligeira" que só existe para possibilitar a passagem de Alguém e que desaba dois da sua passagem. É desse Alguém o Grito que impele o indivíduo a pôr-se em marcha, sempre para ci­ma. Embora reboe nas entranhas do eu, o Grito não nasce dele, mas provém dos seus antepas­sados e descendentes; do "grande corpo" de sua raça, cuja perenidade lhe cumpre garantir, levando avante a obra de seus maiores e transmitindo-a a seus pósteros. Mas o Grito tampouco nasce da raça: remonta à própria humanidade que se des­galhou um dia da animalidade graças à frágil chama da consciência que soube resguardar no interior do crânio. E não é só a humanidade que nos grita no coração; é "a Terra inteira, com suas águas e suas árvores, seus bichos, seus homens e seus deuses".

Depois de ter ouvido o grito e de ter-se pos­to em marcha ao seu acicate, o eu se debruça so­bre o abismo do incriado e tem enfim "A visão", de que trata a terceira parte de Ascese. A visão da penosa subida do Invisível que, para poder as­cender, tem de livrar-se do peso dos sucessivos corpos que vai afeiçoando - da planta, do ani­mal e do homem. Ou ando deixa finalmente para trás o nosso próprio corpo é que discernimos, no "Invisível que espezinha tudo quanto seja visível" para poder ascender, o rosto do nosso Deus. Um deus cuja essência é a luta, nascendo a dor do seu embate contra a tendência descen­dente, a alegria de suas passageiras vitórias, e a esperança de sua vontade de ir sempre além. Qual a razão e a finalidade dessa luta não é dado ao homem saber. Tudo quanto ele pode saber é o curso da "rubra linha de sangue que luta por ascender". O que nos compete fazer para ajudar Deus a cumprir sua ascensão é tratado em "A prática", penúltimo capítulo de Ascese, sendo o último, "O silêncio", o momento supremo dela, ascese, quando "cada qual [...] amadurece por in­teiro, silenciosamente, indissoluvelmente, eter­namente, com o Universo".

Este sumaríssimo esboço algumas das idéias-chave de Ascese deve ter bastado para evi­denciar que o Deus a que elas se referem é ima­nente no homem, não exterior nem transcen­dente a ele: "Joelhos encostados no queixo, mão estendida para luz, sentado de cócoras feito uma bola, Deus está encerrado dentro de cada partícula de carne". E é por não crer numa Pro­vidência exterior ao homem e superior a ele que o elocutor de Ascese afirma categoricamente: "Não é Deus que nos irá salvar; nós é que o sal­ varemos lutando, criando, transfigurando a maté­ria em espírito". Não será despropósito ver, nesse Deus imanente e evolucionário, uma figuração poético-religiosa do élan vital bergsoniano.

O Deus-grito de "A marcha", que, na ânsia incontida de subir mais e mais, vai largando pa­ra trás os corpos que afeiçoa - como o Mora­dor-de-corpos do Bhagavad-Gitá -, não difere daquela "força que evolui através do mundo organizado [...] e que procura sempre ultrapas­sar a si mesma"8 a que Bergson faz referência no capítulo II de A evolução criadora. Por sua vez, o Deus-luta se explica pela tendência, ali também apontada, de o esforço evolutivo desviar-se amiúde lido que deve fazer pelo que faz, absor­vido pela forma que se ocupou em assumir, hip­notizado por ela como por um espelho"9. Para ilustrar comparativamente tais descaminhos do impulso vital, Bergson recorre a uma noção de liberdade que é subscrita e ilustrada por toda a obra de Kazantzákis: “Nossa liberdade, nos pró­prios movimentos pelos quais ela se afirma, cria os hábitos nascentes que a sufocarão se ela não se renovar por um esforço constante: o automa­tismo a espreita"10.

Faz-se necessária a luta - marcada no texto de Ascese por repetidas metáforas bélicas - por­que o impulso vital, que se confunde para Ka­zantzákis com a própria aspiração humana à li­berdade, corre sempre o perigo de estagnar-se no comprazimento e na rotina do já-feito. Daí Deus, luta e liberdade se confundirem num só comple­xo conceitual: "Qual é a essência do nosso Deus? A luta pela liberdade [...] Peleja desde as coisas, desde a carne, a sede, o medo, a virtude e o peca­do; peleja por criar Deus". Não é difícil encon­trar, em A evolução criadora, abonações para tais idéias. Assim é que a função da vida seria a de "inserir indeterminação na matéria"11, e indeter­minação é aqui sinônimo de liberdade, a qual alcança seu patamar evolutivo mais alto no ho­mem: "Um ser inteligente traz em si aquilo com que ultrapassar a si mesmo". Daí Bergson supor que "o domínio da inteligência sobre a matéria tivesse por principal objeto deixar passar alguma coisa que a matéria prende"12.

Só falta agora traçar algumas das conexões que o niilismo heróico de Ascese entretém com o pensamento de Nietzsche. A começar da carac­terização de Dioniso, em O nascimento da tragé­dia, como o deus que "experimenta em si [...] o estado da individuação como a fonte e o pri­meiro fundamento de todo sofrimento, como algo repudiável em si mesmo"13; vimos que o primeiro degrau de "A marcha" é o do repúdio e superação do eu. Outrossim, no seu empenho de, na contramão das fés estabelecidas, dar um rosto contemporâneo à idéia de Deus pela sa­cralização14 do élan vital, a doutrina de Ascese cumpre a rigor o preceito nietzschiano de "abrir mão da religião, mas não das intensidades e elevações de ânimo adquiridas através dela"15. E quando, na abertura de "A marcha", o Grito se queixa de que "a virtude sufoca, não consigo res­pirar", como que ecoa a crítica de Nietzsche, em Aurora, à eticidade como mera "obediência a costumes" e seu encômio do homem livre como "não-ético, porque em tudo quer depender de si", Para ele, esse homem é "um espírito que se despede de toda crença, de todo desejo de cer­teza" e que, "mesmo diante de abismos", con­tinua a dançar16. Também o elocutor de Ascese se ufana de que, como "lutamos sem nenhuma certeza", nossa ação, "por não estar segura de recompensa, se reveste de maior nobreza". E a imagem da dança temerária aparece no final de Ascese sob forma de uma dança do fogo, que "é a primeira e a última máscara do meu Deus; dançamos e choramos entre duas grandes fo­gueiras". Por sua vez, a palavra "abismo" surge fre­qüentemente no texto de Kazantzákis como fi­guração multívoca do incriado, do caos, do nada, da eternidade e do próprio Deus, que também tem vários nomes: "Abismo, Mistério, Treva Ab­soluta, Luz Absoluta, Matéria, Espírito, Última Esperança, Última Desesperança, Silêncio".
Mas abismo conota sobretudo a noção de perigo, que é basilar no niilismo heróico de Ascese, quando mais não fosse porque é no enfrenta­mento do perigo que a heroicidade se afirma como tal: o Grito nas entranhas do homem or­dena-lhe: "Podes e deves, em teu próprio setor, tornar-te herói. Ama o perigo". Quando ergue o estandarte do "viver perigosamente", Zaratustra tem os olhos posto no Übermensch, palavra que se costuma traduzir incorretamente por "super­-homem" e que mais bem se traduziria por "além­-homem" - o ser humano que transpõe os limi­tes do humano. Ao postular essa transposição, o pensamento de Nietzsche ronda as fronteiras do "niilismo radical", sem se deter todavia "em uma negação, no não", mas indo, além disso, até "um dionisíaco dizer-sim ao mundo, tal como é [...] a grande participação panteísta em alegria e sofri­mento, que aprova e santifica até mesmo as mais terríveis e problemáticas propriedades da vida"17.

Esta citação de O eterno retorno põe bem em relevo o caráter heróico de um niilismo que se atreve a dizer sim ao terrível e ao sofrimento. E é um niilismo desse tipo que as maiúsculas do final de Ascese reafirmam enfaticamente quando, bendizendo os que se unem a Deus para se fazerem um com ele, "carregam nos ombros, sem vergar ao seu peso o [...] terrível segredo: sequer este um existe!".

Bárbaro.... Fiquei neste texto o dia todo praticamente ... Coloco a disposição para reflexão filosófica...

Christiane.

Soren Kierkegaard


Por Christiane Forcinito

Kierkegaard a meu ver mereceria mais tempo pois me instigou profundamente principalmente na questão por ele abordada sobre a "possibilidade X angústia" que tanto em seu tempo quanto hoje ainda nos é tão pensada ou melhor, nem pensada acho que é vivida...
É o desespero que nos impõe uma escolha... O que acham disso? Nele pode-se ver uma base existencialista, embora sua vida seja também o reflexo de sua filosofia. Ele teve uma vida intensa e produtiva, uma infância rigorosa e se vê marcado por um estigma, pois seu pai amaldiçoou Deus e por isso se vê como amaldiçoado. Com seu temperamento melancólico tudo lhe causava angústia e para ele sua vida era um caos sem sentido. A felicidade não existe neste mundo para ele.
Segundo Kierkegaard "A subjetividade é a verdade". A verdade tem de ser vivida pelo indivíduo, pois se não tocar e não transformar a existência não há sentido ter uma verdade. Uma de suas frases diz: " Importa-me encontrar uma verdade que possa ser verdade para mim; encontrar a idéia pela qual quero viver e morrer"
A angústia e o desepero fazem parte da natureza humana, pois a angúsia e a possibilidade caminham juntas, pois a escolha que envolve a liberdade é que angustia o homem no seu ser que é ao mesmo tempo e na possibilidade do poder-ser, ou seja, o homem não é determinado, está em suas mãos! Agimos de modo deliberado para agir de acordo com nossos princípios e natureza... O homem é um "poder ser". O que há de mais terrível no homem é ter de escolher. A liberdade...
Um modo de vencer a angústia muitas vezes é perceber que a realidade é mais leve que a possibilidade, pois a realidade é sempre menor, finita... É na realidade que temos o valor absoluto das coisas... O nosso destino é não ter destino...
Agora irei pontuar questões de seu pensamento:
Sobre a Liberdade
O homem não é pré determinado em uma essência humana, isto é, o homem não possui uma natureza como há nos animais; o nosso "ser" é pura possibilidade! NÃO SOMOS ESSÊNCIA, SOMOS POSSIBILIDADE!!!!!
Sua etapa Estética: Há abundância de possibilidades sem fazer-se verdadeiramente delas...Não as leva a sério, contempla-as, mas não atua... A escolha pela estética é apenas nome de vida sem autenticidade, pois a vida realiza-se na decisão.
A estética vive o instante fulgaz do prazer, cuja essência é o desespero, ou seja depois do prazer vem o enfado, o tédio e segue a ironia... Da ironia é provocado o desepero, pois uma escolha é imposta...Ainda estou a entender isso também hehehehehe.....
Sua etapa Ética : Etapa superior à estética onde a escolha e decisão são essenciais... Aqui não há contemplação, o homem encontra sua missão e nesta tentativa de assumir a si mesmo chega ao desespero...
O homem não é capaz de por si mesmo se tornar verdadeiro... Aqui ele encontra a infinitude e a finitude e é quando o desespero humano é consolado pelo eterno, isto é, é aqui que a angústia causada pelo "pecado" é vencida pela fé e se torna suportável....! Percebo que para ser eu mesmo dependo de outro, a felicidade tem sentido quando é compartilhada, somos finitos, limitados, impotentes... Não podemos perder a connexão com o infinito.
Sua etapa Religiosa : Superior as fases anteriores que toma consciencia de sua necessidade com o infinito e que a escolha deve ser feita diante deste infinito. A liberdade consiste em fazer a vontade de Deus, quando o homem recusa a Deus recusa a si mesmo e só quando se reconhece finito sua melancolia é aplacada. A dominação do bom senso torna ambígua a existência humana.
A possibilidade no indivíduo se encontra no "ETERNO INSTANTE", isto é, o momento que você se sente no infinito, é a presença do eterno na qual não há medição de tempo... senão a vida seria insuportável...
Kierkegaard critica a fé institucionalizada, isto é culpa a Igreja luterana pela perda da fé, ou seja pelo processo de secularização da fé.

 

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